quarta-feira, 2 de maio de 2018

LE MOUVEMENT



(Memórias algo difusas e dispersas, à distância de toda uma cultura, do maio de 68. Talvez o ponto crítico do egocentrismo ocidental, criticado por dentro, com a sociedade francesa como sujeito de referência.)

Quando já há alguns anos, a convite do Rui Tavares, então no auge do LIVRE, estive numa sessão no Mercado da Ribeira em Lisboa com a presença do Daniel Cohn-Bendit, não pude deixar de recordar o vozeirão do então líder anarquista estudantil, com a célebre Nous occupons la Sorbonne (link aqui) no auge que desencadeou os acontecimentos de maio de 68, depois do aquecimento em Nanterre. As minhas memórias são difusas e dispersas, marcadas não apenas pela distância, mas sobretudo pelo gap de toda uma cultura. Então às voltas com 19 anos e um sétimo ano de liceu que me haveria de conduzir à aventura da Economia, então às cegas diga-se, a minha preparação política deixava muito a desejar e a pouco que tinha era através da filosofia que lá chegava. Por isso, as memórias são reduzidas, muito difusas, tendo a partir daí incorporado algum conhecimento sobre o que se passou nas ruas de Paris, perante uma França na altura bastante mais rígida do que é hoje reagia atónica à energia de um grupo de 300 a 400 estudantes, com predomínio dos anarquistas e sob o “terror” do Partido Comunista Francês e da principal central sindical a ele ligada.

A reação de contágio e adesão que a luta dos estudantes despertou representa uma das mais relevantes surpresas em termos de movimentação social. Quisera ter a experiência vivida por personalidades marcantes do nosso meio intelectual como Manuel Villaverde Cabral, Sérgio Godinho, José Mário Branco e outros exilados para melhor compreender o respirar de mudança que por aquelas ruas e barricadas passou. Uns anos depois, já com o estudo do desenvolvimento a ocupar as minhas preocupações, apercebi-me que o maio de 68 representou estranhamente um corte profundo na ilusão egocêntrica do Ocidente, vidrado em vender um modelo de civilização a tudo que era país subdesenvolvido e em desenvolvimento. A pretensa superioridade moral do modelo ocidental sofria com o maio de 68 um rude golpe. Afinal, a rejeição do status quo que andou pelas ruas de Paris queria dizer entre outras coisas que esse modelo era criticado por dentro e a partir de dentro, logo má condição para o exportar a pretexto de uma conceção do mundo centrada nos nossos valores.

A ilusão de uma Revolução talvez não tivesse passado de um fogacho de dias. O que não significa que nada tenha mudado. Certamente os costumes, a sociabilidade coletiva, a vida urbana, a crise dos valores, a descoberta dos valores ambientais que mais tarde haveria de ganhar uma outra expressão, o nascimento do Libération como Serge July o recordava são expressões dessa mudança. A crise dos valores e a mudança dos costumes andam sempre ligadas e esse é para mim o principal legado daquele movimento caótico e anárquico, que fugia aos mecanismos de controlo da direita gaullista e da esquerda comunista.

Por isso, não sei por que magia, o símbolo que ainda hoje associo ao maio de 68 é a Juliette Greco a cantar uma canção curiosamente de 1967, Déshabillez-moi (link aqui):

“Déshabillez-moi, déshabillez-moi
Oui, mais pas tout de suite, pas trop vite
Sachez me convoiter, me désirer, me captiver
Déshabillez-moi, déshabillez-moi
Mais ne soyez pas comme tous les hommes, trop pressés.
Et d'abord, le regard
Tout le temps du prélude
Ne doit pas être rude, ni hagard
Dévorez-moi des yeux
Mais avec retenue
Pour que je m'habitue, peu à peu...
Déshabillez-moi, déshabillez-moi
Oui, mais pas tout de suite, pas trop vite
Sachez m'hypnotiser, m'envelopper, me capturer
Déshabillez-moi, déshabillez-moi
Avec délicatesse, en souplesse, et doigté
Choisissez bien les mots
Dirigez bien vos gestes
Ni trop lents, ni trop lestes, sur ma peau
Voilà, ça y est, je suis
Frémissante et offerte
De votre main experte, allez-y...
Déshabillez-moi, déshabillez-moi
Maintenant tout de suite, allez vite
Sachez me posséder, me consommer, me consumer.
Déshabillez-moi, déshabillez-moi
Conduisez-vous en homme
Soyez l'homme... Agissez!
Déshabillez-moi, déshabillez-moi
Et vous... déshabillez-vous!

Resistiriam hoje as palavras de Robert Nyel ao #Me Too?

Sem comentários:

Enviar um comentário