(Memórias algo difusas e dispersas, à distância de toda uma
cultura, do maio de 68. Talvez o ponto crítico do egocentrismo
ocidental, criticado por dentro, com a sociedade francesa como sujeito de referência.)
Quando já há
alguns anos, a convite do Rui Tavares, então no auge do LIVRE, estive numa sessão
no Mercado da Ribeira em Lisboa com a presença do Daniel Cohn-Bendit, não pude
deixar de recordar o vozeirão do então líder anarquista estudantil, com a célebre
Nous
occupons la Sorbonne (link aqui) no auge que desencadeou os
acontecimentos de maio de 68, depois do aquecimento em Nanterre. As minhas memórias
são difusas e dispersas, marcadas não apenas pela distância, mas sobretudo pelo
gap de toda uma cultura. Então às voltas com 19 anos e um sétimo ano de liceu
que me haveria de conduzir à aventura da Economia, então às cegas diga-se, a
minha preparação política deixava muito a desejar e a pouco que tinha era através
da filosofia que lá chegava. Por isso, as memórias são reduzidas, muito difusas,
tendo a partir daí incorporado algum conhecimento sobre o que se passou nas
ruas de Paris, perante uma França na altura bastante mais rígida do que é hoje
reagia atónica à energia de um grupo de 300 a 400 estudantes, com predomínio
dos anarquistas e sob o “terror” do Partido Comunista Francês e da principal
central sindical a ele ligada.
A reação de
contágio e adesão que a luta dos estudantes despertou representa uma das mais
relevantes surpresas em termos de movimentação social. Quisera ter a experiência
vivida por personalidades marcantes do nosso meio intelectual como Manuel Villaverde
Cabral, Sérgio Godinho, José Mário Branco e outros exilados para melhor
compreender o respirar de mudança que por aquelas ruas e barricadas passou. Uns
anos depois, já com o estudo do desenvolvimento a ocupar as minhas preocupações,
apercebi-me que o maio de 68 representou estranhamente um corte profundo na
ilusão egocêntrica do Ocidente, vidrado em vender um modelo de civilização a tudo
que era país subdesenvolvido e em desenvolvimento. A pretensa superioridade moral
do modelo ocidental sofria com o maio de 68 um rude golpe. Afinal, a rejeição do
status quo que andou pelas ruas de
Paris queria dizer entre outras coisas que esse modelo era criticado por dentro
e a partir de dentro, logo má condição para o exportar a pretexto de uma conceção
do mundo centrada nos nossos valores.
A ilusão de
uma Revolução talvez não tivesse passado de um fogacho de dias. O que não
significa que nada tenha mudado. Certamente os costumes, a sociabilidade
coletiva, a vida urbana, a crise dos valores, a descoberta dos valores
ambientais que mais tarde haveria de ganhar uma outra expressão, o nascimento
do Libération como Serge July o recordava são expressões dessa mudança. A crise
dos valores e a mudança dos costumes andam sempre ligadas e esse é para mim o principal
legado daquele movimento caótico e anárquico, que fugia aos mecanismos de
controlo da direita gaullista e da esquerda comunista.
Por isso, não
sei por que magia, o símbolo que ainda hoje associo ao maio de 68 é a Juliette Greco
a cantar uma canção curiosamente de 1967, Déshabillez-moi (link aqui):
“Déshabillez-moi, déshabillez-moi
Oui, mais pas tout de suite, pas trop
vite
Sachez me convoiter, me désirer, me
captiver
Déshabillez-moi, déshabillez-moi
Mais ne soyez pas comme tous les
hommes, trop pressés.
Et d'abord, le regard
Tout le temps du prélude
Ne doit pas être rude, ni hagard
Dévorez-moi des yeux
Mais avec retenue
Pour que je m'habitue, peu à peu...
Déshabillez-moi, déshabillez-moi
Oui, mais pas tout de suite, pas trop
vite
Sachez m'hypnotiser, m'envelopper, me
capturer
Déshabillez-moi, déshabillez-moi
Avec délicatesse, en souplesse, et
doigté
Choisissez bien les mots
Dirigez bien vos gestes
Ni trop lents, ni trop lestes, sur ma
peau
Voilà, ça y est, je suis
Frémissante et offerte
De votre main experte, allez-y...
Déshabillez-moi, déshabillez-moi
Maintenant tout de suite, allez vite
Sachez me posséder, me consommer, me
consumer.
Déshabillez-moi, déshabillez-moi
Conduisez-vous en homme
Soyez l'homme... Agissez!
Déshabillez-moi, déshabillez-moi
Et vous... déshabillez-vous!
Resistiriam
hoje as palavras de Robert Nyel ao #Me Too?
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