(Compreende-se que o tema tenha sido central no discurso
final de António Costa no Congresso do último fim de semana. É
talvez o grande desafio da sociedade portuguesa, sobretudo pelo que ele revela
se for interpretado como síntese de uma diversidade de traços estruturais).
O EUROSTAT
(link aqui) acaba de publicar informação recente (reportada a 2017) sobre a percentagem dos
cidadãos dos Estados Membros (EM) da União que residem noutro EM. A UM chama a
esses indivíduos cidadãos da mobilidade europeia, que em 2017 não ultrapassavam
3,8% de toda a população da União em idade ativa de trabalho (dos 20 aos 64
anos). Nessa perspetiva, a mobilidade europeia de ativos em idade de trabalhar é
ainda muito reduzida, o que não deixa de simbolizar os problemas que a União
vai enfrentando na sua afirmação e aprofundamento de projeto.
Mas a
informação agora publicada é relevante sobretudo do ponto de vista do que ela
representa para cada EM, em termos de peso na sua própria população dos 20 aos 64
anos. O gráfico que abre este post é
muito expressivo no estabelecimento de dois grupos, em parte determinados pela
sua situação face à média da União. Mas na minha interpretação não é a relação
face à média que interessa analisar. O grupo da esquerda no gráfico representa
senão exclusivamente pelo menos em grande parte os países em que a percentagem
de cidadãos residentes noutro EM aumentou entre 2007 e 2017, com valores essencialmente
distribuídos entre os 5 e os 10% da população em idade ativa. Portugal, tendo
partido em 2007 de valores já acima dos 10% caminha para os 15%. O outro grupo
de países apresenta uma muito maior estabilidade em torno de pesos baixos da
população no exterior.
Que interpretação
devemos dar a estes valores?
A primeira
reação é que não podemos andar constantemente a defender a mobilidade dos cidadãos
no interior da União e fazer disso um dos seus traços distintivos e depois
clamar pelas evidências de que essa mobilidade funciona, embora ainda sem grande
intensidade. Haver portugueses a residir e trabalhar noutros EM significa antes
de mais que se trata de população que foi sensível aos apelos da mobilidade na União,
confrontando condições de origem e de destino. É cruel, podemos admiti-lo. Mas
tendo em conta os ditames e penosidades que o resgate de 2011-2014 determinou
em Portugal não nos podemos recriminar por gente que não teve nada que ver com os
desmandos internos e procurou melhores condições de trabalho e de vida. É o
direito à mobilidade como um dos princípios básicos da liberdade.
Mas perder
residentes num contexto estrutural como o nosso, ou seja com declínio demográfico
acentuado e mudança estrutural em curso para um perfil de especialização mais
valorizador das qualificações (espera-se que mais tarde ou mais cedo pagas em
função dessa valorização) pode significar uma perda relevante de produto
potencial. O segundo gráfico (acima) ajuda-nos a compreender esse problema. O gráfico
compara para os EM o grau de qualificação superior para a população que fica e para
a população que saiu à procura de melhores condições de trabalho e de vida. Ora
aqui também emergem dois grupos de países: (i) aqueles em que os que saem apresentam
um maior peso das qualificações superiores e (ii) aqueles que apresentam sinal
contrário, os que ficam têm maior peso de formação superior. Ora Portugal está
no segundo grupo, claro está num contexto em que ambos os pesos estão abaixo da
média europeia, pois o país revela ainda um défice comparativo de qualificações
superiores. Assim, cerca de 15% dos cidadãos portugueses entre os 20 e os 64
anos que estão a residir noutro EM têm formação superior. Sem eliminar o
problema, estes valores relativizam a ideia generalizada de que as novas formações
superiores que o país está a gerar estejam massivamente a sair do país. É claro
que a mobilidade para o exterior não pode ignorar o baixo peso das qualificações
elevadas ainda observado em Portugal. Mas poderia estar a registar-se uma
drenagem em massa do novo potencial de capital humano. Não parece que seja isso
que esteja a ser observado.
Isto não
significa de todo que António Costa tenha errado a pontaria ao trazer para a
sua alocução final o tema da necessidade de fixar as nossas qualificações. Antes
pelo contrário. Como é óbvio, não podemos ignorar que será sempre a população
mais qualificada e melhor informada (pressupõe-se que tende a haver uma forte
correlação entre as duas características) que reagirá melhor à mobilidade intra-União
que o aprofundamento do projeto tenderá a promover. Depois, enquanto persistirem
na União os desvios de remunerações com penalização para Portugal, o cálculo
económico do “should I stay or should I go?”
será sempre mais ativo na população mais qualificada. Mas um indicador de maior
permanência de licenciados, mestres e doutores no país representará sempre um
sinal de mudança estrutural no perfil de especialização produtiva do país. Já
captar os que entretanto saíram é tarefa gigantesca enquanto o mercado de
trabalho e as empresas portuguesas não derem sinais de poderem retribuir melhor
a qualificação com aumentos de produtividade e melhorias organizacionais conexas.
Mas que um primeiro-Ministro coloque o problema na ambição do seu discurso
quanto ao futuro parece-me relevante e assino por baixo. Sem ignorar,
entretanto, que a sua concretização exige uma longa maturação de fatores diversos,
a convergir para o mesmo.
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