terça-feira, 29 de maio de 2018

O GRÁFICO


(Compreende-se que o tema tenha sido central no discurso final de António Costa no Congresso do último fim de semana. É talvez o grande desafio da sociedade portuguesa, sobretudo pelo que ele revela se for interpretado como síntese de uma diversidade de traços estruturais).

O EUROSTAT (link aqui) acaba de publicar informação recente (reportada a 2017) sobre a percentagem dos cidadãos dos Estados Membros (EM) da União que residem noutro EM. A UM chama a esses indivíduos cidadãos da mobilidade europeia, que em 2017 não ultrapassavam 3,8% de toda a população da União em idade ativa de trabalho (dos 20 aos 64 anos). Nessa perspetiva, a mobilidade europeia de ativos em idade de trabalhar é ainda muito reduzida, o que não deixa de simbolizar os problemas que a União vai enfrentando na sua afirmação e aprofundamento de projeto.

Mas a informação agora publicada é relevante sobretudo do ponto de vista do que ela representa para cada EM, em termos de peso na sua própria população dos 20 aos 64 anos. O gráfico que abre este post é muito expressivo no estabelecimento de dois grupos, em parte determinados pela sua situação face à média da União. Mas na minha interpretação não é a relação face à média que interessa analisar. O grupo da esquerda no gráfico representa senão exclusivamente pelo menos em grande parte os países em que a percentagem de cidadãos residentes noutro EM aumentou entre 2007 e 2017, com valores essencialmente distribuídos entre os 5 e os 10% da população em idade ativa. Portugal, tendo partido em 2007 de valores já acima dos 10% caminha para os 15%. O outro grupo de países apresenta uma muito maior estabilidade em torno de pesos baixos da população no exterior.

Que interpretação devemos dar a estes valores?

A primeira reação é que não podemos andar constantemente a defender a mobilidade dos cidadãos no interior da União e fazer disso um dos seus traços distintivos e depois clamar pelas evidências de que essa mobilidade funciona, embora ainda sem grande intensidade. Haver portugueses a residir e trabalhar noutros EM significa antes de mais que se trata de população que foi sensível aos apelos da mobilidade na União, confrontando condições de origem e de destino. É cruel, podemos admiti-lo. Mas tendo em conta os ditames e penosidades que o resgate de 2011-2014 determinou em Portugal não nos podemos recriminar por gente que não teve nada que ver com os desmandos internos e procurou melhores condições de trabalho e de vida. É o direito à mobilidade como um dos princípios básicos da liberdade.

Mas perder residentes num contexto estrutural como o nosso, ou seja com declínio demográfico acentuado e mudança estrutural em curso para um perfil de especialização mais valorizador das qualificações (espera-se que mais tarde ou mais cedo pagas em função dessa valorização) pode significar uma perda relevante de produto potencial. O segundo gráfico (acima) ajuda-nos a compreender esse problema. O gráfico compara para os EM o grau de qualificação superior para a população que fica e para a população que saiu à procura de melhores condições de trabalho e de vida. Ora aqui também emergem dois grupos de países: (i) aqueles em que os que saem apresentam um maior peso das qualificações superiores e (ii) aqueles que apresentam sinal contrário, os que ficam têm maior peso de formação superior. Ora Portugal está no segundo grupo, claro está num contexto em que ambos os pesos estão abaixo da média europeia, pois o país revela ainda um défice comparativo de qualificações superiores. Assim, cerca de 15% dos cidadãos portugueses entre os 20 e os 64 anos que estão a residir noutro EM têm formação superior. Sem eliminar o problema, estes valores relativizam a ideia generalizada de que as novas formações superiores que o país está a gerar estejam massivamente a sair do país. É claro que a mobilidade para o exterior não pode ignorar o baixo peso das qualificações elevadas ainda observado em Portugal. Mas poderia estar a registar-se uma drenagem em massa do novo potencial de capital humano. Não parece que seja isso que esteja a ser observado.

Isto não significa de todo que António Costa tenha errado a pontaria ao trazer para a sua alocução final o tema da necessidade de fixar as nossas qualificações. Antes pelo contrário. Como é óbvio, não podemos ignorar que será sempre a população mais qualificada e melhor informada (pressupõe-se que tende a haver uma forte correlação entre as duas características) que reagirá melhor à mobilidade intra-União que o aprofundamento do projeto tenderá a promover. Depois, enquanto persistirem na União os desvios de remunerações com penalização para Portugal, o cálculo económico do “should I stay or should I go?” será sempre mais ativo na população mais qualificada. Mas um indicador de maior permanência de licenciados, mestres e doutores no país representará sempre um sinal de mudança estrutural no perfil de especialização produtiva do país. Já captar os que entretanto saíram é tarefa gigantesca enquanto o mercado de trabalho e as empresas portuguesas não derem sinais de poderem retribuir melhor a qualificação com aumentos de produtividade e melhorias organizacionais conexas. Mas que um primeiro-Ministro coloque o problema na ambição do seu discurso quanto ao futuro parece-me relevante e assino por baixo. Sem ignorar, entretanto, que a sua concretização exige uma longa maturação de fatores diversos, a convergir para o mesmo.

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