segunda-feira, 28 de maio de 2018

(NEO) LIBERALISMOS

(Estes também invocaram o neoliberalismo)

(Não há expressão que me irrite tanto como a de neoliberalismo. O que não deixa de ser contraditório pois não estou longe dos quadrantes que utilizam o vocábulo. As razões da minha irritação devem-se essencialmente à vulgarização da sua utilização).

Neoliberais e neoliberalismo andam na boca de quase toda a esquerda, como se de uma expressão corrente e instrumental se tratasse. Todo o bicho careta se vê na necessidade de zurzir no que chamam as práticas e as teses neoliberais. O problema é que na sua esmagadora maioria o vocábulo é utilizado sem a que tal corresponda o domínio do conceito. Há uma atenuante para tanto disparate. Se de facto é difícil fixar o conceito de liberalismo, muito mais o é estabilizar o de neoliberalismo. Primeira convicção: é no plural que devemos falar. A razão para tal está na diversidade de entendimentos que na própria literatura se agita para cunhar o que quase toda a esquerda pretende representar.

Por isso, saúdo sempre com entusiasmo os corajosos que se aventuram a desbravar universo tão viscoso. Encontrei recentemente um desses exemplos de aprofundamento num blogue económico que sigo com regularidade, pese embora a sua irregularidade. Mas cada post é um mini-ensaio ou um projeto de ensaio, o que também dificulta, por vezes, acusar a sua leitura neste espaço. O blogue é o Uneasy Money de David Glasner, elaborado seguindo a inspiração de um economista que aparece raramente na formação de base dos economistas, R.G. Hawtrey. Pois a 25 de maio, Glasner publicou um artigo designado de “Neo and Other LIberalisms”(link aqui), cuja leitura se recomenda para quem pretenda ir além da vulgata e compreender a origem e a datação histórica de tal vocábulo.

Glasner, socorrendo-se de outras referências, situa a origem do termo neoliberalismo nos trabalhos de Hayek (o que não é uma surpresa), reportados aos anos 40. Glasner escreve: “O novo liberalismo era pressuposto emergir como algo de mais ameno do que a rude versão “laissez-faire” da versão do velho liberalismo, mais recetivo a intervenções para ajudar os mais desfavorecidos e a programas de proteção social capazes de assegurar uma rede de segurança a indivíduos vulneráveis aos riscos económicos do capitalismo moderno, embora preservando os benefícios sociais  e eficiências de uma economia de mercado baseada na propriedade privada e na troca voluntária”.

Glasner mostra, no início dos anos 80, que a herança hayekiana se desvaneceu face à utilização do termo por dois jovens políticos democratas e ambiciosos, Bill Bradley e Dick Gephardt, que apresentaram para a economia americana uma proposta radical de descida de impostos para os escalões mais altos de rendimento acompanhada pela eliminação de todas as isenções fiscais. O que não deixa de ser algo de intrigante, aliás como o próprio Glasner o reconhece: a primeira versão do neoliberalismo pretendia amenizar o radicalismo do laissez- faire, ao passo que a segunda se situa nos seus antípodas, contrariando o liberalismo social do New Deal. Não deixa de ser também curioso que as ideias que hoje são presa dos republicanos, nasceram no âmago dos democratas, que nunca as aplicaram. Mas é curioso notar que as duas versões do neoliberalismo nascem com objetivos de moderação de agendas mais extremadas, a do laissez-faire e o pretenso dirigismo do New Deal.

Hoje, a utilização do vocábulo neoliberalismo reporta a outras intenções e é sobretudo utilizado pela esquerda mais crítica, quase como significado de financeirização. Costumo dizer que o neoliberalismo foi cunhado em torno do chamado Consenso de Washington, enquadramento que dominou a política económica externa americana e das grandes organizações internacionais, hoje em parte desacreditada.

Moral da história: a confusão em torno do significado do vocábulo até tem a sua explicação já que ele corresponde no tempo a objetivos muito diferenciados.

E para aumentar a complexidade do tema, Glasner aventura-se a uma tentativa de síntese, inspirada vejam bem em Kant e Hayek: o papel da lei, não o laissez-faire ou a redistribuição do rendimento, é o valor fundamental e a base do liberalismo. Como é bom de ver, esta conceção leva-nos bem longe. É que a lei alguém a faz.

Mas isso fica para uma outra reflexão.

O artigo de Glasner ajuda-nos, pelo menos, a combater a vulgata de utilização do vocábulo, mais do que do conceito, de neoliberalismo. Não é coisa pouca.

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