(Tenho andado perplexo com a aparente confiança de que os “mercados”
não descontariam a ameaça populista, de esquerda e de direita, em Itália. Mas
à medida que a hipótese do governo apoiado por tão estranha coligação se torna
cada vez mais uma realidade, estou em crer que à referida estranha confiança vai
suceder-se um esgar de susto).
“The spirit must be to return to the pre-Maastricht
setting in which European states were moved by genuine intents of peace,
brotherhood, co-operation and solidarity (o espírito deve ser o do regresso a
um quadro pré-Maastricht no qual os estados eram movidos por intenções genuínas
de paz, irmandade, cooperação e solidariedade)”.
Podemos
imaginar esta frase dita por personagens angélicos, quase seráficos, mas quando
ela é atribuída aos líderes Luigi Di Maio do 5 Estrelas e a Matteo Salvini da Liga
o seu significado altera-se radicalmente. Depois de uma sequência de falsas
partidas que envolveram fugas de uma mais que provável saída do euro, com
referendo associado, notícias sobre um perdão de divida parcial da dívida italiana,
movimentações técnicas para alterar as regras de cálculo dos rácios de dívida
para efeitos de tratados, esta referência a um padrão pré-Maastricht através de
uma fuga de informação providencial parece ter-se transformado em ameaça real. Não
se sabe exatamente se a deriva da declaração resulta da pressão da Liga sobre o
seu não canónico parceiro, se o contrário.
A degenerescência
política italiana, que vem de longe, atinge a sua configuração mais radical
neste encontro de populismos de sinal contrário, embora o movimento 5 Estrelas se
encontre numa trajetória que já não coincide com as hostilidades iniciais do líder
inicial da formação, o palhaço e comediante Beppe Grillo. Adivinham-se tempos
imprevisíveis de embate negocial entre o populismo em Itália, a Comissão Europeia
e o Conselho, sendo arriscado admitir que o BCE tem unhas para estancar um
processo desta natureza. O que parece inevitável é que esta ameaça vai
direitinha ao coração das aproximações e contactos entre Merkel e Macron, já
que a velha máxima do “too big to fail” terá de ser adaptada a contexto tão
diverso que não envolve apenas os suspeitos bancos italianos.
Os nossos
defensores internos da saída do Euro estão agora em companhia pouco recomendável.
Ao contrário do que parece emergir desse pensamento, que não tem sido
particularmente ativo nos últimos tempos, a crise italiana mostra que o restabelecimento
da construção europeia em termos mais saudáveis e menos de diretório tecnocrático
e laudatório do poder absoluto dos mercados é indissociável do que se vai
passando em cada um dos países, designadamente em termos políticos.
Parece que estamos
a caminhar para um daqueles contextos de incerteza estrutural que regra geral conduzem
a saídas clarificadoras. Pela primeira vez não estou seguro disso. O choque dos
extremos na história sempre me perturbou.
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