sexta-feira, 11 de maio de 2018

SEQUELAS DE UM MODELO



(Já o escrevi e insisto na ideia. Nos casos Sócrates-Manuel Pinho, qualquer que seja o desfecho jurídico dos mesmos, o que me interessa é a relação do caso com o modelo económico que se intensificou a partir da segunda metade do primeiro governo de Sócrates. Quando precisaria de focar noutras prioridades, o PS está obrigado a uma gestão complexa das sequelas de não ter em devido tempo analisado criticamente esse modelo …)

A nova liderança do PSD tem nas suas mãos obrigar ou não o PS a uma gestão mais difícil do tempo político que mediará até ao fim natural ou antecipado desta legislatura. Não é ainda totalmente claro se Rui Rio cederá à sede de cavalgar a toda a brida o impacto dos casos Sócrates e Manuel Pinho que algum PSD mais vingativo manifesta sem pudor. Mas ceda ou não, o que parece evidente é que António Costa não contaria ter de fazer este “desvio produtivo” para tentar atalhar as sequelas de uma digestão mal feita do modelo económico para o qual a governação de Sócrates evoluiu a partir do êxito de algumas das suas realizações. O PS precisaria de estar focado noutras matérias, a complexa negociação do orçamento de 2019 e a preparação à prova de fogo do verão nas florestas e vê-se obrigado a este desvio, destinado a conter os prejuízos eleitorais que os atuais desenvolvimentos dos casos acima mencionados estão a provocar.

De que modelo económico estou a falar?

Num quadro de alocação de recursos tendencialmente comandada pela interação dinâmica entre modernização de infraestruturas e valorização do imobiliário, favorecida por um incremento significativo do endividamento público, o modelo tendeu a evoluir para um intervencionismo económico, alimentado sobretudo pela criação ou favorecimento de empresas bandeiras do regime. PT, EDP, GALP e as teias do seu relacionamento com o sistema financeiro eram apresentadas como alimentando a ilusão da criação de empresas globais. Esta criação seria apresentada como a demonstração de que Portugal não desdenhava jogar o jogo da economia global, afinal um país de dimensão reduzida orgulhar-se-ia de patrocinar empresas globais, de raiz nacional, completando a presença de outras empresas globais induzidas pelo investimento direto estrangeiro, que haveria nesse período de contraditoriamente reduzir-se e de se circunscrever, perigosamente, aos setores imobiliário e financeiro, dominantemente não transacionáveis.

Como regra geral acontece nestes modelos de alocação de recursos, ninguém se preocupa com os sinais que tal modelo está a oferecer ao investimento em geral, evidenciando padrões de lucratividade que a luta insana no mundo dos transacionáveis não seria capaz de proporcionar.

E, mais do que isso, numa economia de pequena dimensão como a nossa, apostas dessa natureza no sentido de favorecer pretensas empresas (grupos) globais, mesmo que não se traduza em volumosa magnitude de investimento público, acabam por abafar toda a economia e condicionar a política pública. É óbvio que, por exemplo no caso da PT, se admitia que essa empresa global ajudaria a traçar uma trajetória tecnológica capaz de valorizar o conhecimento científico e tecnológico que o país começava a evidenciar nesta área (a PT Inovação e outras massas críticas nas universidades do Porto e de Lisboa), gerando ainda complementaridades com os recursos nacionais em termos de sistemas de informação e TIC em geral. No caso da EDP, era a aposta nas renováveis (sempre sem avaliar o retorno do forte peso da subsidiação pública) que se desenhava, anunciando também uma trajetória tecnológica nessa área, reforçada depois com a fileira das viaturas elétricas.

Nunca ninguém se preocupou em demasia com as interações deste modelo com o tecido generalizado de PME que caracteriza a nossa base produtiva. Valia então a ideia peregrina do “trickle down” das apostas globais, sugerindo alguns, timidamente, de dedo pouco espetado no ar, que algo de semelhante às complementaridades da Auto Europa com a subcontratação nacional poderia emergir. Na frente internacional, deste modelo, reduzida, rapidamente se começou a perceber que destinos de aposta como a Venezuela, o Brasil ou Angola eram apostas demasiado frágeis e não estimuladoras de uma estratégia exigente em termos de inovação tecnológica.

Num país de dimensão reduzida, este tipo de intervencionismo económico é fácil e rapidamente capturado. Essa captura é demasiado sedutora para agentes políticos que se inebriem facilmente com o protagonismo do apoio público e a sua venalidade., como parece ter sido o caso, entre quem apoia e é apoiado.

Não é este o modelo que Mariana Mazzucato enobrece no seu Entrepreneurial State.

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