domingo, 6 de maio de 2018

HABERMAS, DE NOVO



(Dias de primavera exultante em Seixas, tempo ideal para a entrevista de Habermas ao El País semanal, a lucidez aos 89 anos, hoje já longe do bulício e da cacofonia dos grandes encontros, mas com a frescura de pensamento que é conhecida.)

Fim de semana de primavera exultante em Seixas, excelente para recarregar baterias, com leituras dispersas, os carvalhos no máximo do verde (mau agoiro desportivo) e recordações pelas estantes do marxismo, sucedâneo singelo de comemoração de 200 anos do nascimento de Marx.

Entre tais leituras dispersas, a entrevista de Jürgen Habermas ao El País semanal na intimidade da sua casa no Lago de Stanberg a 50 quilómetros de Munique (link aqui) é um excelente documento, revelador das suas preocupações contemporâneas. Habermas é talvez o último grande intelectual vivo de acordo com o entendimento que os franceses tendem a dar à figura, embora considere que se trate pelos tempos próximos de uma espécie em vias de extinção. Não porque não existissem candidatos potenciais a esse exercício, mas apenas porque os leitores que poderiam ser recetivos aos argumentos dos “intelectuais” estão esses sim em desaparecimento total. Afinal, um reflexo da deterioração da esfera pública em que tal figura se poderia movimentar. O espaço que lhe está reservado na comunicação social é ridículo. Os comentadores são palradores estimulados pelo critério formal do simples confronto dos opostos, sem que se pretenda qualquer aprofundamento dos argumentos e formação consiste de opinião pública informada. Habermas designa de mercantilização da atenção pública todo esse processo de deterioração, hoje chegada ao extremo da exploração económica do perfil dos utilizadores da rede. A internet é uma realidade contraditória, desde a possibilidade da aceleração do conhecimento científico à mais despudorada invasão e aproveitamento de dados de utilização, não sendo de todo impossível que algum dia possa emergir um modo civilização de manejamento das redes sociais.

Retenho da entrevista duas outras ideias sobre temas que têm passado por este blogue.

Sobre a questão catalã, Habermas disse: “Mas realmente por que razão um povo culto e civilizado como a Catalunha deseja estar só na Europa? Não compreendo. Dá-me a sensação de que tudo se reduz a questões económicas. Não sei o que vai acontecer. O que pensa o senhor?”

Sobre Macron e perante a pergunta do jornalista que o designa de filósofo-presidente, Habermas é contundente: “Por Deus, nada de governantes filósofos! Não obstante, Macron inspira-me respeito porque, na cena política atual, é o único que se atreve a ter uma perspetiva política; que, como pessoa intelectual e orador convincente, persegue as metas políticas certas para a Europa; que nas circunstâncias quase desesperadas da disputa eleitoral, demonstrou valor pessoal e que, até agora, desde o seu cargo de presidente, faz o que diz que iria fazer. E numa época de uma perda paralisante de identidade política, aprendi a apreciar estas qualidades pessoais face às minhas convicções marxistas.”

De quando em vez, sabe bem perceber que não estamos a pensar desajeitadamente e a primavera finalmente exultante ajuda.

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