Deste positivo mês de agosto sobra de contraditoriamente essencial a retirada americana e ocidental do Afeganistão, concretizada no primeiro caso ontem perto da meia-noite. Por muito que Biden vá falando ao país, louvando a Pátria e os seus achievements únicos e procurando convencer o mundo de que optou pelo melhor (como agora acontece em direto), a tragédia é por demais clara para ficar impune — pelo menos em pensamentos e palavras, já que as obras estão e estarão à vista no sofrimento do povo afegão e das suas mulheres e crianças. Maldito nacionalismo, miséria de realismo político!
terça-feira, 31 de agosto de 2021
PROTEGER A AMÉRICA, DIZ ELE!
A RÃ E O ESCORPIÃO MARCELO, SEGUNDO BALSEMÃO
Francisco Pinto Balsemão (FPB) completa amanhã 84 anos com a publicação de um livro de Memórias e uma homenagem organizada por amigos e colaboradores próximos. Quase ao jeito de ensaio geral, foi ontem a figura de um “Primeira Pessoa” (um programa da RTP onde Fátima Campos Ferreira, apesar de alguns despropósitos, encontrou finalmente para si um espaço útil de trabalho jornalístico) muito interessante. Acima, a expressão com que saiu, completamente imperturbável, da resposta que deu a uma pergunta sobre Marcelo Rebelo de Sousa (algo em torno do porquê de ele provocar tanta confusão no meio político): “porque é que o escorpião da lenda mata a rã?”.
Para quem não tiver presente a dita lenda, sintetizo-a rapidamente: “Uma rã estava na beira do rio quando um escorpião lhe pediu que o deixasse ir nas suas costas para a outra margem do rio. O que a rã nega, dizendo: ‘És doido! Ferras-me o teu veneno e matas-me.’ Ao que o escorpião lhe responde que isso não faz sentido porque se a rã for ao fundo, ele escorpião, também vai; e que sentido faria morrerem os dois? A rã pensa um pouco e acaba por aceder, dizendo: ‘Anda lá’. A meio da travessia do rio, o escorpião ferra o veneno na rã, que começa a desfalecer. Na agonia, diz-lhe: ‘Que foste fazer? Não vês que assim morremos os dois? Tu próprio disseste que isso não fazia sentido!’ E o escorpião limita-se a retorquir: ‘O que queres? É esta a minha condição!’”
Nunca tive qualquer relação pessoal com FPB, apenas uns breves e cordiais contactos pré-negociais aquando da minha passagem pelo FIEP e da sua fase de definição em termos dos projetos empresariais que tinha ou poderia ter em mãos. Já enquanto cidadão não apreciara especialmente a sua passagem pela política, onde foi quase dois anos e meio primeiro-ministro (depois de ter sido crítico por dentro do regime anterior, fundador do PPD/PSD e ministro do governo AD de Francisco Sá Carneiro) e se lhe imputava uma indisfarçável falta de carisma; ao invés, reconheci-lhe sempre algum golpe de asa na área da imprensa e do jornalismo, onde construiu uma obra assinalável à escala nacional (do “Expresso” à SIC, nomeadamente). Pois a entrevista de ontem fez com que subisse na minha consideração pessoal, quer pela sinceridade e distância inteligente com que enfrenta quaisquer questões (mais ou menos difíceis ou ingratas) quer pela classe do posicionamento e do discurso que sempre foi revelando e produzindo.
É óbvio que recomendo a visualização, que nenhum desenvolvimento que aqui faça poderá substituir. Mas sempre quero salientar que não se escusou a dizer frontalmente de sua justiça sobre a “traição” de Marcelo (“ficou de não dizer nada e disse”, a propósito de uma saída do governo de então na semana anterior a umas autárquicas determinantes) ou sobre as desconfianças de Eanes. Como, embora recusando a palavra “rancor”, não deixou de considerar a hipótese de ainda poder “ajustar umas continhas um dia” em relação a alguns dos seus menos bem-amados. Como, ainda, não se escusou a reagir duramente e sem papas na língua (embora decerto também dolorosamente) em relação a Nuno Vasconcelos, o filho de um amigo fraterno e sócio fundador de vários dos seus projetos empresariais que é seu afilhado de casamento e protagonizou de modo eticamente grotesco o escandaloso processo da Ongoing; falou, a propósito, de suficiente elucidação quanto à “categoria de pessoas e de organização que aquilo é”, de “castigo moral” perante o que tem vindo a acontecer, de “tristes figuras” e de não lhe apetecer “sujar as mãos com este tema”. E muito mais foi dado a conhecer com o savoir-faire que é próprio daqueles cujo caráter e espessura de valores honram as suas distintas origens.
SOBRE A PERCEÇÃO DO CONGRESSO
(Não ficaria de bem comigo próprio, apesar do último dia de agosto nos ter brindado com um daqueles dias em que apetece ver a noite cair sobre a praia, dizem os locais que é típico da transição para alguma chuva, veremos, dedicar alguma reflexão ao Congresso do PS do último fim de semana. Para evitar futuras dúvidas e deceções, direi desde já que não se trata de refletir sobre o Congresso, mas sim sobre a perceção que a comunicação social disseminou sobre o evento, logo com todo o risco de enviesamento a que estamos sujeitos por essa via indireta…)
Reflexões sobre as perceções do Congresso e não sobre o Congresso e, diria eu, é inevitável que teria de ser assim. Confesso que não tenho pachorra para seguir eventos desta natureza pela televisão e, por maioria de razão, penitencio-me pela minha total incapacidade de assistir física e presencialmente a cerimónias do tipo, embora compreenda que a democracia tem os seus rituais, a militância partidária faz parte do processo e, por isso, terei de elogiar quem sacrifica um fim de semana da sua vida, provavelmente mais aborrecido do que o convívio com outros militantes. Mas nestas coisas de partidos e sobretudo dos seus rituais, a minha máxima de referência é a de Grouxo Marx, “Eu nunca faria parte de um clube que me aceitasse como sócio”. Já fui sócio do SLB, desde tenra idade por força e influência de outros, mas, se a memória não me atraiçoa, com a maioridade desisti de tal façanha, embora sofra à distância quando a bola não entra ou quando a nossa defesa abre e fica escancarada. Não desdenho de interagir com forças à esquerda, sobretudo com o PS, mas tenho a convicção do que me dizia um antigo militante do PS e chefe de Gabinete de Fernando Gomes na Câmara do Porto: “Meu caro Dr. tem de compreender que se não pedir nada em troca a esta gente será sempre visto como uma ave rara e por isso não estranhe alguns comportamentos”. Sábias palavras, do Dr. Vasco Valente, de que perdi totalmente o rasto.
Mas a análise das perceções reveladas pela comunicação social é coisa que me interessa. A minha sensação é estarmos perante uma onda de baratinhas tontas, que não sabem o que escrever nesta época estival, não tão silly como se apregoa. As contradições multiplicam-se até à exaustão. Senão vejamos.
Quase todos os jornalistas dizem que os partidos estão esgotados na sua comunicação com militantes e população eleitora em geral (sobretudo com a que não vota), que os congressos são já letra morta e coisa do passado, que se deve falar para fora e não para dentro. Depois, quando estas almas comentam o congresso do PS esquecem todo esse diagnóstico e comentam-no como se ele pudesse contrariar esses vícios estruturais da comunicação política. Nesse aspeto, Costa tem razão quando riposta que os congressos no PS não são feitos para levar ao rubro a disputa eleitoral interna, essa faz-se em eleições primárias.
Esperariam, assim, as boas almas que cobriram o congresso que houvesse chispa e lume em discursos arrebatados, sobretudo a partir do momento em que caíram no engodo da organização que reuniu os quatro putativos candidatos à sucessão, ladeando o atual primeiro-Ministro. Engodo que foi prolongado com a “canonização partidária” de Marta Temido, que gostaria que fosse reconhecida e elogiada noutro contexto, mas que o PS escolheu desta maneira, algo canhestra, mas que mesmo assim não impede o meu reconhecimento e o mérito de um partido em acolher como militante alguém que viveu a experiência talvez mais desgastante da história ministerial em Portugal. Bravo Marta e paciência que não te falte para enfrentar agora outros desafios, o da conflitualidade interna própria de um Partido.
Aliás, a minha interpretação da sucessão de Costa é indissociável do papel que lhe atribuo na vida política portuguesa, após a crise das dívidas soberanas, não ignorando o exercício notável de gestão da “débacle” que a prisão de Sócrates e a sua culpabilização pela opinião pública poderiam ter gerado para o PS. Chapeau, com chapelada só ao alcance dos eleitos.
Só o percurso político de Costa, com todo o contexto da sua envolvência pessoa e familiar, incluindo a filiação política dos seus pais, explica a sua capacidade de demonstrar à opinião pública e ao seu próprio partido que era possível ultrapassar o até aí tabu da cooperação política parlamentar para a governação à esquerda. A história haverá de julgar se tenho ou não razão, mas continuo firme na minha convicção imperturbável de que a geringonça foi a melhor solução política de governação que era possível ensaiar naquele contexto. E não o foi apenas por questões de estabilidade política que Marcelo tanto preza e que o ajuda a engolir os sapos de ocasião. Foi-o também em meu entender pelos tons de recuperação inclusiva que permitiu, não ignorando toda a série de sobressaltos de negociação, de birras e recuos, de excessos despesistas. Mas não recuperávamos de uma recessão qualquer.
Tudo isto era impossível sem a presença de António Costa, por mais que nos possa irritar o seu estilo, a sua tentação de pintar os horizontes à sua maneira e até a sua complacência com dimensões do funcionamento partidário que gostaríamos de ver erradicados de um partido como o PS.
Ora, na minha interpretação, é errado pensar a escolha do sucessor de Costa partindo do princípio de que as soluções de geringonça à esquerda serão o pão nosso de cada dia nos tempos futuros. Para mim, a sucessão política no PS, acaso Costa queira voar para outras paragens, obriga a alguém que seja capaz de entender que haverá contextos históricos em que a negociação à esquerda é vital, mas que não hipoteque o papel de charneira política que o PS sempre representará, por isso que possa entender outros contextos que exijam outro rumo de parcerias.
O que me preocupa em toda esta questão é a completa ausência de produção de novo pensamento político para preparar o PS para esses novos desafios, que estão muito para além do jogo das cadeiras que ladearão Costa para o futuro. Até porque há linhas de grande leveza em algumas opções que o PS terá de tomar nos próximos tempos. O partido não tem discurso e pensamento para as empresas e isso é para mim uma grande lacuna. Mas a procura desse discurso e pensamento tem domínios de concretização de grande complexidade, até porque de onde poderia vir algo de novo nessa matéria, da direita esclarecida, a miséria de pensamento é franciscana. A dimensão social do partido não me preocupa de todo e considero uma total alarvidade de comentário concluir que as medidas sociais anunciadas no congresso são para encantar PCP e Bloco na negociação do próximo orçamento. E a par do pensamento para o lugar das empresas há ainda uma outra questão cuja amplitude política tarda a ser compreendida em Portugal: decidir que modelo de atração e acolhimento de população imigrada podemos construir ou aguardar alegremente pela nossa extinção demográfica.
FIM DE FÉRIAS, QUASE
Fim de mês, fim de festa em matéria de dolce far niente; ou, mais exatamente, de rotinas diferentes e menos exigentes, que não por vezes intelectual ou fisicamente menos cansativas. Este ano ficou marcado por umas férias sem as aventuras longínquas de que tanto gosto e que já interrompera em 2020 por forçosos motivos pandémicos; foram assim umas férias aparentemente plenas de vulgaridade mas sobretudo cheias de sentido. Porque, por um lado, aproveitadas para “matar o borrego” da minha vergonhosa virgindade açoriana (visitando cuidadamente três belas e diversas ilhas, São Miguel do Grupo Oriental e Faial e Pico do Grupo Central), sem interromper depois a habitual circulação entre praia poveira e campo tirsense; mas também porque, por outro lado, várias razões proporcionaram retomas de contactos, convívios há muito adiados e até encontros imprevistos, juntando ao inigualável sabor do descanso adicionais outros paladares feitos de afetos quase inconscientemente adormecidos.
Alguns destes reencontros passaram por tocantes revisões ao vivo da matéria dada (leia-se acontecida) em conversas de amigos, como com o Francisco e as suas novidades bruxelenses, o Manel e a sua calma e bonomia à sombra da casa de Moledo ou a Ana e os relatos da sua fascinante experiência de vida pessoal, diplomática e política (sempre com a “presença” do António por perto). Outros trouxeram gente próxima que há muito estava fora da vista, como uma prima “alemã” e as histórias dos seus filhos deslocados de casa para estudo e trabalho (ela já a trabalhar numa consultora em Bremen), a filha de uma querida amiga a instalar-se em Istambul por via de um novo trabalho do marido no quadro das Nações Unidas (após Nova Iorque e Jordânia, nomeadamente), os filhos de um amigo desaparecido que evoluem academicamente pelo mundo (ele agora a ensinar em Singapura, após PhD em Berkeley, e ela instalada em Leipzig, após a recente maternidade que se seguiu a um doutoramento em Gotemburgo, Suécia), um primo destes que há muito fez base em Ancara mas circula estonteantemente por paragens ecológico-desportivas de todo o tipo (e vinha de deixar o filho mais novo em Roterdão para início de estudos de Economia) ou uma prima por afinidade que se instalou matrimonialmente em Aveiro e por lá vive algo “fora da caixa” e aberta a escolhas políticas liberais que nunca marcaram as suas opções anteriormente conhecidas.
Mas houve ainda algo de completamente diferente na tarde passada com o Leandro (o talentoso, criativo e extraordinariamente popular — mais de dois milhões de seguidores no “Instagram”! — rapper, compositor e poeta brasileiro Emicida — “ano passado eu morri / mas esse ano eu não morro” —, titular de um “Grammy Latino” e protagonista de “AmarElo” — vejam no “Netflix”) e a Marina (a Marina Santa Helena que é, nomeadamente, coautora de um dos podcasts mais ouvidos no Brasil, agora no “Spotify”, designado “Um Milkshake chamado Wanda”), dois personagens de muito fina sensibilidade musical, cultural e social e a quem o meu filho mais velho está particularmente ligado em termos profissionais (no quadro da “Laboratório Fantasma”, uma editora independente que é também uma agência de artistas, uma promotora de concertos, uma produtora de conteúdos audiovisuais e uma marca de roupa) e, seguramente, também pessoais.
Perante todo este panorama, que aqui apenas indicio sem referir netos e livros, posso sem dúvida dizer que entro em setembro de papo bem cheio!
segunda-feira, 30 de agosto de 2021
O CONGRESSO DE PORTIMÃO (FIM)
Tudo exatamente como se previa no Congresso do PS deste fim de semana: muitos milhões para gastar disponíveis na conta bancária, muitas promessas cheias de uma seriedade inversamente proporcional à sinceridade com que se abordam determinados assuntos essenciais para os portugueses, muita proclamação de sensibilidade social para manter a “esquerda” quentinha até ao Orçamento, muita graxa em cima do Presidente da República para evitar chatices desnecessárias, muita “paz interna” que “cheirou a falso” (valeu talvez a relativa insubordinação de Pedro Nuno) e consagrou um “Congresso da unidade a brincar” (para citar Ângela Silva).
Apenas uma exceção, aliás também ela tratada com bastante pouca classe e falta de eficácia se avaliada por um marketeer com noção adequada do que anda a fazer: o chamamento de Marta Temido ao palco para lhe ser entregue o cartão de militante, condição acabada de assumir, numa mistura pouco razoável entre o tributo merecido que lhe é generalizadamente devido e o preenchimento preferencial de um espaço de debate com louvores asséticos e cheios de quase nada em termos de conteúdo político — como igualmente bem diz aquela jornalista do “Expresso”, “para quem não queria discutir o senhor que se segue, lançar Marta temido foi mesmo uma brincadeira”.
Lá reza o ditado que dos fracos não reza a história e a verdade é que este momento do socialismo português é de uma indigência que até dói! E se as autárquicas pudessem ajudar a abanar o barco?
UM ESTRANGEIRO CHAMADO PICASSO
(Era claramente a minha aposta de leitura para as férias de Seixas. Cerca de 700 páginas tem a obra de Annie Cohen-Solal da Fayard, a leitura em francês e por isso era necessário encontrar a ambiência certa para vencer o desafio. Não me enganei. É um livro fascinante pelas razões que constam deste post. Destaco sobretudo os elementos decisivos revelados pela autora para compreendermos os contextos da produção e da distribuição artística, no quadro de uma França que, claramente ultrapassada por outras culturas mais cosmopolitas à época demorou um tempo infinito a reconhecer o génio de Picasso. Mas também a sagacidade do próprio Picasso em dialogar com essas outras culturas e uma experiência notável de cocriação e emulação artísticas entre Picasso e Braque…)
A odisseia da instalação de Picasso em Paris no início do século XX, com diferentes fases até ao início da Primeira Guerra Mundial, é um exercício notável de reconstituição de diferentes arquivos, com destaque para o esforço sobre-humano do artista de se distanciar da cultura familiar ao mesmo tempo que iniciava a sua prodigiosa aventura de inovação artística, mesmo que o seu domínio do francês fosse péssimo, como o revelam aliás as suas cartas escritas num francês inenarrável. Desse período inicial ressalta sobretudo a espantosa capacidade de criação artística e de trabalho de Picasso, em condições de instalação indescritíveis pela sua austeridade e até indigência, com destaque para as suas instalações da Rue Ravignan, nº 13, que ficaram conhecidas pelo Bateau Lavoir. E tudo isso sob uma reserva de suspeição das autoridades francesas que o encararam durante largo tempo como um “estrangeiro” com as consequentes perspetivas de vigilância e suspeição que o nacionalismo xenófobo então dominante implicava, sempre à mercê do oficial mais zeloso que os seus próprios chefes.
Após várias tentativas, a instalação em Paris é concretizada mobilizando a ajuda de outros artistas da comunidade catalã já instalada em Montmartre.
A partir desta instalação, Annie Cohen-Solal coloca-nos perante um conjunto de personalidades que profundamente ligadas a outras culturas mais cosmopolitas do que a sociedade francesa do início do século, todos eles também “estrangeiros” como Picasso e que por essa razão vão compreender melhor e com ele interagir mais intensamente a revolução artística que Picasso vai protagonizar. O rol dessas personalidades é impressionante e cada qual a mais fascinante. Max Jacob (poeta, pintor, escritor, crítico), o poeta Guillaume Apollinaire, a influência de Manet e Cézanne, a rivalidade com Matisse, os colecionadores Leo e Gertrud Stein (o famoso retrato), o colecionador checo Vincenc Kramář, o galerista Daniel-Henry Kahnweiler, alemão que não combateu a 1ª Guerra mundial pela Alemanha e que mesmo assim no rescaldo do conflito viu arrestada todo seu stock em que pontificava a produção de Picasso, o galerista, artista e galerista Alfred Stieglitz que haveria de ser responsável pela divulgação da obra de Picasso nos EUA, os irmãos Dutilleul que andaram próximos de Amadeo Sousa Cardoso, os colegas Braque e Derain, ambos mobilizados para a guerra, a aproximação a Jean Cocteau e ao coreógrafo Diaghilev, o galerista e colecionador russo Chtchoukine.
Devo confessar que o período até 1916 que é também aquele em que o cubismo luta pela sua afirmação é aquele que na obra é mais fascinante, sobretudo pelo notável cruzamento e fertilização de culturas e tendências que se sobrepõem ao nacionalismo francês, incapaz de perceber o que fervilhava no mundo mais moderno.
Por isso, a obra de Annie Cohen-Solal é bem mais do que a reconstituição minuciosa da afirmação de Picasso como artista. Tenho-a lido como uma espécie de gigantesco painel que nos ajuda a compreender o génio da transformação artística até à 2ª Guerra Mundial e que nos lança na perplexidade de como num mundo com esta riqueza de criação artística foi possível fazer germinar os horrores de duas guerras devastadoras.