(O tema deste post foi-me sugerido por uma sessão de trabalho realizada, ontem, em Guimarães no belo edifício da Comunidade Intermunicipal do Ave, discutindo ideias para a valorização económica de recursos intensivos em território. A Região e o País parecem adormecidos, em termos de capacitação de formatação de projetos, para o tema da descarbonização e da adaptação às mudanças climáticas. Com esse adormecimento, os passivos ambientais decorrentes da transição energética que vamos ter de empreender perfilam-se obviamente como centros de absorção de recursos europeus para os suprimir ou pelo menos mitigar. Parece um confronto simples e passível de equilíbrios em termos de alocação de recursos de financiamento europeu. Mas quando se associa a esse confronto uma visão territorial a questão não é assim tão simples).
Embora se conheça pouco da programação 2021-2027, fruto do Ministério do Planeamento ter concedido prioridade maior ao arranque do PRR, empurrando e colocando um pé na porta do financiamento europeu por essa via, sabe-se que o tema da descarbonização e da transição energética vai ter ao seu cuidado uma soma avultada de recursos europeus FEDER. A Comissão Europeia pretende que os programas operacionais nacionais e regionais forneçam um contributo valioso para a agenda europeia, em forte aceleração e carecendo, por isso, de vários canais de investimento a concretizá-la no terreno. Não é novidade. Teria de ser necessariamente assim, pois a Comissão Europeia apostou forte nessa agenda e obviamente por via da condicionalidade ex-ante da programação pretende acautelar que a agenda tenha recursos suficientes para ser implementada e com ela cumpridas as ambiciosas metas da descarbonização.
Mandaria o bom senso investir na conceção e formatação de projetos para apresentar a essa fonte de financiamento. Trata-se de um domínio em que não existe nem imaginação, nem capacidade de projeto instaladas. É necessário mobilizar recursos técnicos e de conhecimento para os investimentos que os projetos necessitam, formar atempadamente parcerias, identificar quem tem capacidade de liderança e coordenação de outros atores, discutir sossegadamente prioridades e adaptações territoriais. Um conjunto relativamente animador de comunidades intermunicipais (NUTS III) mobilizou-se em torno de planos de mitigação e adaptação às mudanças climáticas e, pelo que fui conhecendo desses exercícios, valiosa capacidade científica foi mobilizada. A esmagadora maioria dos Planos chegou a bom porto, sendo possível concluir que a sua esmagadora maioria exigiria investimentos adicionais na preparação de planos de ação concretos no terreno para concretizar os planos apresentados em investimentos consequentes em matéria de descarbonização, valorização da economia circular e processos concretos de transição energética.
Aconteceu assim na generalidade das regiões NUTS II, assim também no Norte. Na medida em que tais processos foram tornados públicos, quer durante a sua realização, quer na apresentação de resultados, seria de esperar que a Estratégia Regional Norte 2030 avançasse na concretização de tipologias de intervenção para dar sequência ao processo de planeamento iniciado por algumas CIM. Para minha interrogação, o texto da Estratégia Regional Norte 2030 aprovada em Conselho Regional ainda em 2020 é bastante parco nesta matéria, dedicando-lhe apenas uma menção de vir a ser uma prioridade transversal da programação. É daquelas referências que dá para tudo. Dá para se reconhecer a sua importância como algo de transversal a toda a programação. Mas como se fica por aí também dá para intuir que não se avançou nada em matéria de formatação de projetos estruturantes.
Creio, assim, poder concluir que, face à dotação de recursos generosa que a programação dedicará a este tema, teremos um início de programação largamente comprometido pelo tempo que vai ser necessário para criar de cima a abaixo uma fileira de engenharia de projeto para a descarbonização e transição energética. Talvez os projetos de investigação científica e tecnológica possam avançar mais cedo, já que o tempo da sua maturação entretanto não parou, mas isso não chega para constituir uma fileira alargada á altura da dotação prevista.
Esta questão, tal como ontem na sessão do Ave, o Engº António Campos da Câmara Municipal de Póvoa de Lanhoso pertinentemente o assinalou, é particularmente relevante (e esperançosa) para os territórios de mais baixa densidade. Com o declínio demográfico aberto em que estamos e com as dificuldades notórias de atração de população estrangeira em magnitude suficiente (ver um dos meus posts anteriores), estes territórios têm na descarbonização e a valorização económica do papel que podem aí desempenhar o seu elemento crucial de financiamento para os próximos 20 anos. A pergunta inadiável é a de saber como. Uma grande maioria destes territórios é rico em biodiversidade e recursos florestais que lhes garante um potencial elevado de sequestro de carbono. Podem mesmo ser organizados em função de ecossistemas cujo valor de existência e de contributo para a descarbonização pode ser determinado do ponto do seu valor económico e global. A valoração dos ecossistemas poderá equivaler a uma valorização económica desses territórios, definindo assim uma trajetória de valorização e organização desses ecossistemas. Na preparação atempada a que me referia anteriormente, impõe-se a geração de uma família de projetos destinados a organizar esses ecossistemas sobretudo no ponto de vista institucional e territorial, designadamente identificar de que modo diferentes municípios e freguesias intervêm no ecossistema.
Em contraponto a este movimento prudencial de uma programação preparada atempadamente, existem outros problemas de sinal contrário, que serão obviamente também candidatos à dotação de recursos FEDER. Estou a referir-me aos passivos ambientais, encerramentos, adaptações, reutilização funcional, que a transição energética vai obviamente determinar. Basta referir esta polémica em que o primeiro-Ministro se deixou envolver, o futuro passivo ambiental das instalações da GALP em Matosinhos – Leça da Palmeira, para compreender de que matéria estou a falar. Se pensarmos no dínamo político dos passivos ambientais e da valorização dos ecossistemas, rapidamente compreenderemos que o esforço político necessário para colocar na agenda estes últimos será bem mais exigente. Assim sendo, todas estas questões deveriam a estar a ser preparadas com minúcia atempada.
Ora, o que me parece é que toda essa exigência está muito para além da simples indicação de que se tratará de uma prioridade horizontal da programação.
Como dínamo político, é do mais confrangedoramente incipiente que poderíamos imaginar.
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