A noite eleitoral de ontem teve um certo ar de thriller, sobretudo por via do que ia sendo o crescendo de expectativa quanto ao resultado de Lisboa mas também quanto a vários outros apuramentos (como os da manutenção ou não da maioria absoluta de Rui Moreira no Porto e de Basílio Horta em Sintra ou o caso de Loures na particular e pouco mutacional disputa inter-geringonça, ou seja, PS-CDU).
O sucedido em Lisboa, que nos termos concretos em que sucedeu traduz uma situação absolutamente improvável e excecional (quase irrepetível, mesmo), quase abafou tudo o mais e desta vez com bastante legitimidade para um forte concentracionarismo lisboeta. Após uma noite dormida em cima deste resultado, sou dos que pensam que ele, sendo mérito de Carlos Moedas, é essencialmente demérito da estratégia geral de campanha do PS e do modo como esta foi ainda mais soberbamente interpretada por Fernando Medina. Vale o que vale mas assim leio a coisa, aliás em linha com alguns avisos que aqui fui deixando com alguma veemência.
Alguns comentários mais: (i) será de começar por sublinhar que o PS, como António Costa procurou focar, permanece como o maior partido nacional e autárquico (mantém 149 presidências, ou seja, num pouco menos de 50% dos 308 concelhos; é o único que elege presidentes em todos os distritos e regiões autónomas, quando ao PSD faltam Beja e Setúbal; governa uma maioria de câmaras em 10 daquelas 20 entidades, partilhando ainda essa maioria em mais 3); (ii) importará, contudo, matizar o atrás afirmado, salientando o facto da quebra relativa do PS (de 162 para 149 presidências, uma perda de 13) por contraponto de afirmação posicional do PSD (de 98 para 114, um ganho de 16); (iii) de notar também que, dos 32 municípios em que os respetivos presidentes saíram ao longo do último mandato ou ficaram impedidos de se candidatarem por terem completado três mandatos, foram 13 aqueles em que se verificou uma mudança de cor política (40,6%), assim validando parcialmente o discurso de Rui Rio em torno da oportunidade de alternâncias maiores em tais casos (4 deles a Norte e todos desfavorecendo o PS: Miranda do Douro, Barcelos, Mondim de Basto e Castelo de Paiva); (iv) outras considerações relevantes são as da continuação de uma queda por parte do PCP/CDU (de 24 a 19 presidências), as de uma total manutenção do peso (obviamente limitado) do CDS (6 presidências) e as de uma consolidação do fenómeno das candidaturas independentes (que elegeram 20 presidentes, sendo os special cases do Porto e de Oeiras adicionáveis de outros a merecerem investigação e análise (Ílhavo e Mealhada em Aveiro, Figueira da Foz em Coimbra, Caldas da Rainha e Marinha Grande em Leiria, Guarda e Manteigas na Guarda, São João da Pesqueira em Viseu, entre outros); (v) por fim, a ideia de um bom sintoma daquele fracasso estratégico traduzida no número de capitais de distrito ou regiões autónomas sob comando do PS e do PSD, a saber: 9 em 2017 e 6 em 2021 contra 8 em 2017 e 11 em 2021, respetivamente.
Não me querendo alongar muito para além do já dito, acrescento apenas uma referência àquelas que foram as maiores surpresas (ou talvez não...): as quatro capitais de distrito conquistadas pelo PSD (Lisboa, Coimbra, Portalegre e Funchal), a vitória do PS em Loures e quatro afirmações independentes simbólicas mas bem distintas entre si (Ílhavo, Guarda, Figueira da Foz e Marinha Grande). Mais em detalhe, referiria ainda o reforço do PS na Área Metropolitana do Porto (conquistando Espinho e Vila do Conde e passando a deter a presidência de 11 das 17 câmaras municipais em causa, o que deveria ser encarado como um adicional fator de responsabilidade para o partido na dimensão da gestão e do planeamento territorial) e os restantes ganhos e perdas do PS (além daqueles dois, e na dimensão positiva, Valença e Cerveira no Alto Minho, Póvoa de Lanhoso e Vizela no Ave e Freixo de Espada à Cinta no Douro; na dimensão negativa, Castelo de Paiva no Tâmega e Sousa, Mondim de Basto no Ave, Lamego no Douro, Barcelos no Cávado e Miranda do Douro, Mogadouro e Vila Flor em Terras de Trás-os-Montes).
E termino com uma modesta súmula pessoal de vencedores e derrotados (seis mais seis), tal como leio o balanço do ocorrido e por ordem descrescente de significância e merecimento/demerecimento (ainda que desconsiderando muitos heróis menos populares que tiveram sucessos específicos, entre vitórias em locais sociologicamente desfavoráveis e vitórias estrondosas): Carlos Moedas (Lisboa), Mário Constantino (Barcelos), José Manuel Silva (Coimbra), Inês de Medeiros (Almada), João Campolargo (Ílhavo) e Carlos Silva Santiago (Sernancelhe), por um lado; Fernando Medina (Lisboa), Manuel Machado (Coimbra), Suzana Garcia (Amadora), Tiago Barbosa Ribeiro (Porto), Ângelo Moura (Lamego) e Humberto Cerqueira (Mondim de Basto), por outro. E tenho dito.
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