segunda-feira, 20 de setembro de 2021

QUE RECUPERAÇÃO?


 

                                            (INE, link aqui)

(Vivemos um período em que as expectativas quanto ao estado da arte da recuperação económica assumem uma dimensão particularmente crítica, sobretudo marcado pelo referencial pré-pandemia, ou seja os valores de 2019 para a generalidade dos indicadores económicos. O bom senso e a prudência convidam porém que se não embandeire em arco com as taxas divulgadas a dois dígitos, pois, tal qual o INE se pronuncia, os valores são muito muito influenciados pela chamada base baixa, dada a queda observada ao longo do ano de 2020).

Um outro elemento a ter em conta na gestão das nossas expectativas é o facto do mundo estar a recuperar, ou pelo menos a ambicionar fazê-lo, de uma pandemia. Por isso, ao contrário de outras crises anteriores, em que tivemos economias em contraciclo a puxar mais pela recuperação do que outras, neste caso numa pandemia em princípio todo o mundo foi afetado. Não quero dizer com isto que não haja recuperações mais rápidas do que outras e desse ponto de vista a economia portuguesa até nem está mal situada do ponto de vista comparativo. O meu ponto é que numa pandemia dificilmente haverá uma economia, por muito grande que seja, a poder assumir o papel de locomotiva do processo de recuperação. As cadeias de valor global foram, como o seu nome indica, globalmente afetadas e, por isso, é difícil alguém ter ficado imunizado, não ao vírus, mas às consequências económicas da sua circulação pelo mundo.

Um outro aspeto, comparando com o que tínhamos em 2019, antes do surto pandémico começar a disseminar-se, é que vamos ter uma economia global mais atingida por fenómenos de escassez de matérias-primas e de produtos intermédios, com consequências óbvias sobre os custos, aliás como qualquer conversa com empresários rapidamente nos permite compreender que o fenómeno existe. E o que parece mais intrigante é que em alguns casos não sabemos ainda se estamos perante fenómenos de escassez temporária, que normalmente acontecem neste tipo de recuperações, ou se é algo de mais estrutural que está a formar-se.

De modo geral, os indicadores económicos de curto prazo da economia portuguesa em julho de 2021, os mais recentes que conhecemos, ainda não atingiram os níveis do mês homólogo de 2019, com relevo para a ainda muito truncada recuperação turística, apesar de nos últimos dias pelo menos parte da cidade do Porto parecer recuperar algum ânimo de presença nos sítios turísticos de maior afluência. O que é positivo é que, apesar de se tratar de uma recuperação pandémica, as exportações nominais de bens superaram em julho os valores de 2019, facto que interessaria continuar a produzir-se para se possível compensar a mais tardia recuperação da balança de serviços. De qualquer modo, com um processo de vacinação altamente comprometido no plano da equidade mundial, de nada valerá a Europa e sobretudo Portugal ter dado cartas em matéria de vacinação. O cutelo que persistirá sobre a economia mundial será sempre no sentido de a vulnerabilizar, já que basta algum descontrolo noutra zona económica do mundo para por via da logística dos transportes e das cadeias de valor globais afetar as economias mais expostas aos bens transacionáveis.

Perfeitamente em linha com as considerações anteriores, a variação real homóloga do PIB no 2º trimestre foi 15,5%, mas ainda assim o PIB em volume neste 2º trimestre de 2021 foi inferior em 3,4% ao do 2º trimestre de 2019 e também não me surpreende que tenha sido a procura interna a explicar esse comportamento. A procura externa teve um contributo praticamente nulo. Teria gostado que a recuperação da procura interna tivesse sido apoiada mais no investimento do que no consumo, mas o que tivemos foi exatamente o inverso, com variações homólogas de 17,5% para o consumo privado, 9,8 % para o consumo público e de 10,5% para o investimento. E face ao 1º trimestre de 2021, o PIB cresceu 4,9% em volume o que também não é mau.

Não é indiferente o tipo de recuperação que tivermos. A razão é simples de explicar. A economia portuguesa está em processo de mudança estrutural, lenta, mas observável. Assim sendo, interessa que a recuperação não tenda a prolongar no tempo os aspetos de maior constrangimento, por exemplo a comparação entre o crescimento do consumo e do investimento. A recuperação de ritmos mais elevados de formação bruta de capital fixo nas empresas portuguesas é essencial para a referida mudança estrutural.

Por vezes, ao sabor de algumas modas de momento, parece que de repente as necessidades de investimento da economia portuguesa se imaterializaram. É o discurso dos fatores imateriais de competitividade, design, gestão, comercialização, marketing, marcas a marcar presença, e agora com a senda da digitalização a reforçar esse caminho. Mas numa economia como a nossa, em que uma grande massa de empresas nunca terá condições de realizar intra-muros (ou in-house como se diz nas políticas de inovação) despesas e operações de I&D, o investimento em equipamento continuará a ser um fator determinante de crescimento e de absorção de conhecimento-inovação, para além de induzir os tais investimentos na imaterialidade. Ou seja, o investimento em equipamento continuará por muito tempo a representar para esse tecido empresarial o veículo determinante da modernização e do acesso ao conhecimento que não pode gerar intra-muros.

E, last but not the least, esse reequipamento é crucial para induzir as empresas a melhorar a sua recetividade à absorção de emprego mais qualificado, já que essa modernização permitirá aumentos de produtividade suscetíveis de acolher esse trabalho mais qualificado e desejavelmente melhor remunerado.

O facto da internacionalização das PME portuguesas as ter lançado numa maior acessibilidade ao progresso técnico e ao equipamento que na economia mundial o veicula não significa que essa etapa esteja concretizada e que, etapisticamente, abracemos a imaterialidade como rumo dominante. Mesmo a digitalização que, a ser aplicada, poderá revolucionar os modelos de negócios der muitas PME portuguesas não será concretizada sem modernizações de equipamentos e obviamente sensibilidade da gestão para esse potencial.

Por isso, repor a capacidade de investimento das PME portuguesas será essencial na recuperação que se segue. 

                                (Apresentação do Professor Pedro Gil, slide 20)

A semana passada, uma equipa da Faculdade de Economia do Porto chefiada pelo Professor Pedro Gil (e que bem sabe ver uma Faculdade como a FEP ocupar o espaço normalmente ocupado por equipas universitárias de Lisboa, do ISEG ou da Nova) apresentou os dados do impacto macroeconómico dos FEEI, seguindo um modelo da família que a Comissão Europeia utiliza.

Nesse trabalho, “estima-se que durante o período de execução o Portugal 2020 (2015-2023) será responsável por um acréscimo médio de 1,3% do PIB face a um cenário sem a intervenção dos FEEI (steady state). Esse efeito é crescente e atinge um máximo de 2,3% em 2022 (ou seja, o PIB será 2,3% superior ao nível que registaria sem a intervenção dos FEEI). A 20 anos esse efeito é ainda de 1,6%, mantendo a tendência decrescente nos anos seguintes”. O estudo estima ainda que “o efeito positivo sobre o PIB é acompanhado por ganhos de Produtividade, Emprego, Salários e Exportações, mas a pressão da procura agregada sobre as importações condiciona a evolução da Balança de Bens e Serviços”, destacando-se o papel da formação de capital humano.

Ou seja, isto significa que estruturalmente, a recuperação da economia portuguesa acontecerá com uma almofada favorável, fornecida pela ajuda dos FEEI, não só do PT 2020, mas prolongada por via dupla pelo PT 2030 e pelo PRR. Por isso, mais importante do que António Costa andar de bazuca à cintura a dar conta das munições que teremos disponíveis, o discurso parece-me que tem de ser outro. É importante que essas munições, que são muitas, alavanquem comportamentos de complementaridade de investimento e complementaridade por parte das empresas. Por isso, tudo o que for feito no sentido de organizacionalmente, equidade de acesso e sensibilização facilitar e promover essa alavancagem será bem mais importante para futuro do que a euforia dos disparos.

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