(Matt Chase para o NYT)
(O historiador económico americano Adam Tooze que se tem notabilizado por análises muito perspicazes da longa crise com que o século XXI tarda em fixar uma evolução previsível em termos de ciclo longo, assina no New York Times internacional deste fim de semana, dia 1 de setembro na edição americana (link aqui), um artigo muito desafiador. A ideia é sugestiva: comparemos o modo como o mundo se “safou” da crise de 2008 com a gestão global da crise pandémica e anotemos as diferenças.)
O contexto é conhecido e já aqui por repetidas vezes foi invocado como tema de reflexão. As grandes instituições como as Nações Unidas, O Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e também a agora em foco Organização Mundial de Saúde que saíram das entranhas e dos estragos da Segunda Guerra Mundial vão fazendo o que podem, mas a sensação é a de que já não estão em linha com a acelerada mutação da economia mundial e com a emergência de novos equilíbrios/desequilíbrios de que o novo lugar do mundo que os Estados Unidos buscam desesperadamente estabilizar é uma das manifestações mais visíveis.
Um argumento que tendeu a ganhar força é a de a que perante ameaças reais à paz e à segurança mundiais os líderes mundiais acabam por encontrar soluções, não com a força duradoura que os artífices do-pós Segunda Guerra Mundial conseguiram (com Keynes em destaque na parte económica), mas resolvendo o problema.
Os que acreditaram na bondade e profundidade deste argumento estarão eventualmente totalmente zonzos quando o mundo perante uma ameaça mais real do que nunca (não do tipo da vem aí os Marcianos com que Orson Welles marcou a sua passagem pela rádio) claudicaram em toda a linha. A pandemia é essa ameaça global que invocávamos para desculpar a inépcia da coordenação política a nível mundial. O modo como o mundo tem reagido em termos de decisão à gestão da pandemia é caricata, pois praticamente a cada governo cada sentença e a distribuição das vacinas pelo mundo é uma farsa ou a manifestação mais aprimorada do cinismo político e desprezo pelo outro. Como é óbvio, a diversidade de sistemas sanitários e de modelos culturais ajuda a essa dessintonia, mas o argumento da ameaça global era precisamente esse, é preciso que ela apareça para o pragmatismo e bom senso se sobrepor à diversidade.
Não vou bater no ceguinho do desconcerto europeu, já que me lembrarão que a Comissão Europeia não tem competências na área dos sistemas de saúde que são nacionais, mas as minhas reservas nem vão para a Comissão Europeia mas sim para o Conselho Europeu onde não tem emergido a mínima hipótese de a União falar a uma só Voz e forte.
O argumento de Tooze aponta-nos que o único êxito parcelar de governação ou governança a nível mundial aconteceu no domínio monetário e financeiro, em que governos e bancos centrais, embora sem enterrar o princípio da independência destes últimos, conseguiram suster a desestruturação do sistema financeiro. Esta realização passa por ser o que de positivo se pode identificar nos últimos tempos em matéria de governação mundial. Mas o próprio historiador económico americano recorda que a desestruturação foi sustida com a intensificação concomitante de outros processos menos bondosos do ponto de vista da paz e da estabilidade mundiais. Tooze refere-se à desigualdade e a polarização social.
O estabelecimento de nexos causais sólidos entre o modo como os bancos centrais e governos consertaram o sistema financeiro que resvalava para o caos e o aumento da desigualdade e polarização social não é fácil de compreender. É um tema que fica para outras núpcias, até porque o objetivo era comparar o relativo êxito do conserto financeiro e a inépcia da gestão pandémica global. Esta última desdobra-se por uma infinidade de decisões casuísticas como a abordagem da crise do transporte aéreo e a necessidade de o recuperar, a gestão das entradas de turismo, as perspetivas quanto ao confinamento e regresso a uma vida sem restrições, enfim um mar de descoordenação.
Há nesta inépcia algo que tenho muita dificuldade em compreender. Se a globalização era algo de compreensível e dada por adquirido nos nossos hábitos quotidianos, então não se percebe a curteza de vistas em ignorar que uma pandemia global só se combate globalmente e com ações coordenadas. A começar claro está por uma outra política, radicalmente oposta à atual, de 5
Para além disso, ao nível do simples cálculo económico, Tooze traz para o debate cálculos do FMI segundo os quais um investimento de 50 mil milhões de dólares numa campanha de vacinação mundial e integrada tenderia a gerar 9 milhões de milhões de dólares em termos de produto a nível mundial, algo do tipo de 180 para 1.
E o paradoxo é que quando na parte monetária e financeira se venceu o tabu e o papão da injeção de liquidez na economia em quanto fosse necessário, ou seja, que o financiamento desse plano global e coordenado de vacinação não seria problema, a inequívoca visibilidade do cálculo económico favorável não se sobrepõe ao mais puro egoísmo mundial.
E enquanto os americanos não decidirem de vez o papel que querem desempenhar no mundo, este também andará aos bonés.
Tudo parece que todos e eu incluído nos esquecemos de perguntar uma coisa quando Biden nos transmitiu que America is back. Escapou-nos algo de subtil mas que está cada vez mais evidente: regresso a que América? Não é coisa de somenos.
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