sexta-feira, 17 de setembro de 2021

NAS AUTÁRQUICAS

 

(Evolução da taxa de fertilidade no mundo como um todo de 1960 a 2019, segundo os dados do World Bank Development data)

(Os meus leitores já compreenderam que embora tenha convicções políticas sólidas, não sou pessoa de bandeirinhas e de multidões, embora tenha grande respeito pela militância política e popular, sobretudo porque é ela que ganha eleições e não um desenraizado da política como eu. Por isso, a regra básica é nunca se por em bicos de pés, responder a convites que , me pareçam credíveis e sinceros, analisá-los e normalmente dizer que sim, nunca pedindo nada, até porque conheço em profundidade os possíveis conflitos de interesses com o desenvolvimento de uma atividade profissional e o pensamento livre e independente).

Foi assim com as Autárquicas este ano e não tenciono abandonar este registo.

Primeiro, com a resposta positiva ao convite do Presidente Rui Moreira e do meu colega de blogue para integrar um painel de debate com o meu Amigo Professor Paulo Pinho sobre a questão do Porto metropolitano e dos avanços e recursos que essa dimensão metropolitana tem suscitado na ação política. Fi-lo com convicção, sobretudo porque nessa dimensão de representação institucional e de ideias do Porto mais amplo que a Cidade acho que Rui Moreira é o candidato certo, apesar de, como escrevi neste blogue, pensar que o caso Selminho foi uma imprevidência que pode ter consequências, mas que não belisca a minha ideia sobre o candidato.

Segundo, esta semana, a convite da Presidente Dra. Luísa Salgueiro e da Dra. Manuela Álvares,  nº 3 da lista do PS, tive o prazer de participar numa sessão-debate, ontem, no Auditório da já mítica Cooperativa das Sete Bicas na Senhora da Hora, inserida na campanha para a reeleição de Luísa Salgueiro, subordinada ao tema População e Demografia.

Embora deva aqui assinalar que a Quaternaire Portugal tem desenvolvido vasto trabalho de consultadoria e assistência técnica em Matosinhos (essencialmente nos tempos recentes na área da habitação em que não intervenho, anteriormente sobre um posicionamento para a Câmara de Matosinhos no âmbito da economia do Mar que coordenei e que me deu até bastante gozo), esta minha resposta ao convite teve muito mais que ver com a minha ligação afetiva ao concelho (a afetividade do tempo dos meus avós paternos com a mítica recordação das férias grandes que nunca mais o foram, o facto de ainda lá trabalhar, a família que por lá tenho e o facto de ter vivido cerca de 25 anos em S. Mamede de Infesta).

Tenho a melhor das impressões do estilo de governação da Luísa Salgueiro e aprecio fundamentalmente dois aspetos do projeto do PS em Matosinhos: a capacidade de ir fazendo Cidade em todo o concelho e o caráter pioneiro com a que política de habitação é promovida, segundo um paradigma que, como dizia ontem a Secretária de Estado Marina Gonçalves, se pode designar por habitação pública, com resposta a vários públicos-alvo e não apenas aos da habitação social.

Interpretei à letra o tema do debate População e Demografia e procurei ontem transpor o meu entendimento do tema para a ação política local, perante um auditório muito bem composto e com a presença do anfitrião Guilherme Vilaverde, o grande obreiro do cooperativismo habitacional no concelho, também com a amiga Palmira de Macedo, que se recandidata à Presidência da Assembleia Municipal, que continua atento e ciente de que o cooperativismo de nova geração exige uma grande revolução de perspetivas para poder ter uma palavra a dizer na matéria.

Penso nesta matéria que o cenário do declínio demográfico é negro e que relativamente a ele temos evidenciado como País uma dificuldade dupla: temos tido dificuldade em darmos conta da gravidade do problema e revelamos ainda menos capacidade para intuir e abordar a sua resolução.

Para a primeira dificuldade contam sobretudo duas coisas: a mediatização do problema de dez em dez anos, os censos à população e a rapidez vertiginosa com que a sua manifestação se acelerou. Desta última dimensão, a região Norte é um caso de estudo, para mal dos nossos pecados. Nas minhas atividades de planeamento, lembro-me perfeitamente de apresentarmos alguns territórios do Norte como uma fonte inesgotável de juventude, ousando mesmo falar em alguns casos de campeões europeus da juventude. Num tempo rapidíssimo, o Norte é hoje uma região com um problema demográfico dos mais graves do País.

Numa visão rápida dos resultados preliminares dos Censos 2021, concluo que apenas uma dezena de municípios na Região tiveram crescimento positivo da população residente na última década e que na Área Metropolitana do Porto só a Póvoa de Varzim, Valongo, Vila do Conde, Vila Nova de Gaia e S. João da Madeira tiveram crescimento positivo. Na Região e no País, Braga destaca-se com um crescimento de 6,5% e qualquer residente em Braga nos dirá que isso é devido à atração de população brasileira.

Em termos crus, o cenário é negro porque morremos mais do que nascemos e não conseguimos atrair a população estrangeira suficiente para compensar o crescimento natural negativo e a população que continuamos a libertar para o exterior, sobretudo a diáspora jovem e recente.

Já algum tempo que o comportamento da taxa de fertilidade total (número médio de filhos que uma mulher tem probabilidade de ter ao longo da sua vida ativa de procriação) anuncia que o contexto é de redução da família média, para além da sociologia urbana nos lembrar também a profunda revolução dos modelos de família que vai por aí. Portugal partilha com o sul da Europa muito baixas taxas de fertilidade (1,4 para Portugal, 1,2 para Espanha e 1,3 para Itália) e mesmo em países escandinavos que são apontados como os padroeiros do ressurgimento demográfico temos valores como 1,7 para a Dinamarca, 1,4 para a Finlândia, 1,5 para a Noruega e 1,7 para a Suécia).

Numa mesa como a do debate de ontem que era essencialmente feminina, esta questão coloca a mulher e a progressiva valorização do seu estatuto de qualificação e socioprofissional no cerne de toda a questão, sendo obviamente necessário que casais, sociedade, governo e empresas tragam um contributo positivo para que seja possível prosseguir a valorização desse estatuto e mitigar os custos de oportunidade do aumento do número médio de filhos.

Vinquei ontem a ideia de que há por aí grupos empresariais em busca de modelos de representatividade social corporativa e que ignoram que entre muros têm um amplo potencial de flexibilização de condições de trabalho para que a maternidade não seja sinónimo de elevados custos de oportunidade em termos de interrupções e desvalorizações de carreira.

Nesta perspetiva, recuperar melhores condições de fertilidade não poderá nunca ser uma estratégia a curto prazo, já que releva do foro das grandes mudanças estruturais ou de tempo longo. Ou seja, por muito que se considere politicamente arriscado, é de atração de população, de dinamismo externo que teremos de falar, sabendo que essa atração é abrangente – mão de obra indiferenciada, mão de obra especializada e captação de talentos para interagir com a progressão do nosso sistema científico e tecnológico. Deixar a resolução deste problema ao mercado conduzir-nos-á a várias “Odemiras”, com a ressalva de que mesmo em Odemira há empresas decentes e honestas a tratar desta questão. Devemos começar a falar de processos de gestão coletiva de atração de mão de obra.

Um projeto socialista para Matosinhos como para outros municípios terá de contribuir para criar condições amigáveis e favoráveis aos dois lados do problema: uma ambiência de acolhimento (habitação particularmente) e de serviço para casais jovens que mitigue os custos de oportunidade de um número médio mais elevado de filhos e condições para a atração e bom acolhimento (integração como acentuava bem ontem a Dra. Manuela Niza) de população estrangeira. A base económica concelhia não será indiferente a estas condições, seguramente. Mas a ambiência que só a gestão política de proximidade (local) poderá criar parece-me que será crucial. E entendo que a estratégia e política de habitação se inserem como uma luva nesse modelo.

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