sábado, 11 de setembro de 2021

AMERICA, I’LL SEE YOU IN MY DREAMS

 

(A voz grave e inconfundível de Bruce Springsteen, de fato e gravata pretos, a interpretar I’ll see you in my dreams na cerimónia pública do 11 de setembro em Nova Iorque (link aqui) naquele local de todos os simbolismos, desperta-me um mar de reflexões que os vinte anos que nos separam da queda das Twin Towers e do ataque ao Pentágono seguramente implicariam, não importa a faísca que as detonasse. A Europa e particularmente a família política da esquerda, por mais desabrida e dividida que se apresente, têm alimentado hipocrisia que baste sobre a América e os seus problemas.)

Consigo recordar que há vinte anos passei uma estranha manhã no escritório ainda na Rua da Restauração, olhando o Douro e incapaz de trabalhar ou de escrever o que quer que fosse, zonzo e um pouco petrificado com as imagens da implosão das Twin Towers, que tinha visitado poucos anos antes numa sempre recordada e inesquecível viagem a Nova Iorque com imersão plena em Manhattan.

Das imagens da destruição fica-me sobretudo a perceção da violência da combustão que precipitou a implosão total das Twin, imaginável a partir das imagens transmitidas, mas curiosamente a imagem que tem mais perdurado na minha memória não é uma imagem vista, mas descrita por outros. Nada mais que o relato da caminhada silenciosa do local da tragédia até outras zonas mais a norte da Cidade de sobreviventes, brancos do pó da destruição, tal qual zombies de uma ficção qualquer, caminhando sabe-se lá para onde, petrificados, num tempo sem tempo, como se embora em movimento se tivessem quedado no choque da destruição que veio de fora.

A partir dessa data, o mundo não foi mais o mesmo, embora os sintomas dessa mudança já se fizessem sentir desde antes, sobretudo a partir do momento em que o produto democracia oferecido pelo Ocidente se apresentava já profundamente adulterado desprovido ou pelo menos contaminado por uma crise de valores cuja gravidade se escondia debaixo do tapete salvo melhor solução.

A cultura europeia já há muito via a sua pretensão de superioridade e consistência comprometida pela incapacidade de forjar o seu próprio destino e sobretudo velar pela sua segurança. O expediente europeu de tratar da sobrevivência do seu modelo social e remeter para os EUA o ónus da defesa da Europa, como se não houvesse equilíbrios e escolhas a propor aos cidadãos, teria obviamente um dia de dar o berro e de nos confrontar com a nossa própria hipocrisia.

Certamente, que a trágica e pífia saída dos EUA do Afeganistão revela uma inconsistência cuja formação se acentuou com o 11 de setembro e sobretudo com as erráticas respostas que a América deu a essa destruição. Tão atamancada saída é o resultado de uma escolha que não está ainda clara, qual é o lugar e papel que os EUA pretendem assumir no mundo para lá da retórica política dos briefings de comunicação. Mas independentemente dessa questão interessar a todo o mundo e também aos Europeus, a verdade é que se tornou insustentável a habilidosa posição europeia de se orgulhar dos seus valores do estado social, embora desbotado, sem colocar a questão da sua defesa, como se esta fosse a custo zero e sem implicações nas suas escolhas políticas.

E haveria um mundo de questões a colocar como eventualmente a necessidade de colocar os investimentos de segurança fora dos mecanismos do Tratado Orçamental, como alguns líderes europeus já o tentaram por repetidas vezes, sem êxito. A constituição e operacionalização de uma força de intervenção militar rápida ou de outra qualquer modalidade de abordagem deveriam estar na ordem do dia no Conselho Europeu. Mas, atendendo ao tipo de lideranças políticas que a Alemanha considera mais adequadas para a condução dos seus destinos, veja-se a confiança que as sondagens atribuem ao insípido líder do SPD, percebe-se que os alemães continuam fiéis ao princípio de que o que lhes interessa no seu futuro é a solvência das suas poupanças. Em coerência com esse princípio de preferir a segurança das suas poupanças à segurança das suas poupanças, a Alemanha não tem hesitado em enveredar por bilateralismos perigosos e talvez equívocos com a Rússia de Putin e com a China e com isso tende a bloquear os avanços da política de defesa e de segurança europeias.

Mas se estivéssemos atentos à degenerescência progressiva da sociedade americana e do seu modelo económico e político, de que a correlação evidente entre a direita republicana e a fragilidade social imposta pela vacinação incompleta e truncada constitui a mais forte ilustração, rapidamente nós Europeus deveríamos compreender que o tempo de criticar o Amigo Americano pelos vícios do seu modelo e simultaneamente nos momentos mais difíceis dele depender para a sua própria segurança já passou. Uma espécie de À Espera de Godot em termos de diplomacia conduzirá a Europa à subalternidade e à irrelevância no mundo. Lembra-me aquelas famílias aristocráticas arruinadas e sem um tostão para gastos que se mantêm orgulhosos nos seus valores sem que um simples passo para a sobrevivência seja dado.

A hipocrisia europeia tem limites e convém recordá-lo a história dessas famílias aristocráticas arruinadas não foi bonita de se ver.

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