segunda-feira, 6 de setembro de 2021

VISÕES SOBRE A DIREITA

 

(Xosé Luís Barreiro-Rivas tem sido na Voz de Galicia particularmente contundente com o zigue-zaguear político do governo de Pedro Sánchez, por estes tempos aparentemente respirando melhor, fruto de várias coisas: a bazuca europeia para Espanha, a intervenção no Afeganistão, a remodelação do seu Governo e um estilo distinto de conflitualidade com os ministros PODEMOS. Mas algumas das suas preciosidades de analista político de larga cultura clássica e da ciência política mais pesada respeitam curiosamente ao modo como a sua pena se concentra na direita espanhola. Creio mesmo que o interesse desses comentários vai muito para além da direita espanhola.)

Vejam, por exemplo, se esta citação não demonstra a minha conclusão:

“Por isso (as debilidades de Sanchéz, acrescento meu), devemos perguntar o que é que falta a Casado para colocar Sánchez no seu lugar. E a resposta está aqui: sobra-lhe a pressa, a frivolidade de argumentação e o abuso de metáforas e argumentos de pé quebrado que, como se estivessem num exercício de retórica, os seus assessores praticam. E falta-lhe sobretudo um robustecimento ideológico e um programa de governo que a direita está há anos sem querer – ou sem saber- escrever. Por isso praticam uma oposição casuística e linear que não atrai nada nem ninguém, com a esperança de ganhar as eleições com o único e esperado dogma – “é a economia estúpidos” – que sabem formular. Casado claro que pode ganar as próximas eleições. Mas essa possibilidade esfumar-se-á se apenas conseguir resistir na sua cadeira e esperar pela mudança inexorável da alternância no poder“ (sublinhados ao autor citado) (link aqui).

O caso da direita espanhola é particularmente curioso porque apesar das suas já aqui repetidamente assinaladas especificidades traz importantes ensinamentos para compreender os problemas de Rio e de toda a direita portuguesa em fazer prova de vida, não como aquela que coloca Casado na sua cadeira à espera que o tempo da mudança se imponha na alternância democrática, mas como algo que entusiasme os portugueses e mude o centro político, essencialmente de base urbana.

A saída de Rajoy e a sua sucessão no PP não foi coisa fácil e o próprio estilo de governação de Rajoy tinha deixado um lastro demasiado acomodatício. Para além disso, a sucessão natural a partir da sua Vice-Presidente Soraya Saénz de Santamaría (só o nome impõe respeito), que estou em crer daria uma excelente primeira-Ministra, gorou-se pelo choque de personalidades dentro do PP (dizia-se à boca cheia que Soraya não morria de amores por Nuñez Feijoo e que isso pesou nos equilíbrios internos) e lá se foi para um escritório de advogados de grande prestígio, mandando às urtigas o partido.

A partir da ascensão de Pablo Casado à direção do partido, cedo se percebeu que se Sánchez era pródigo em mudanças de rumo imprevistas e passos de pura mágica política, Casado não lhe ficava atrás numa espécie de mimetização à direita do estilo de Sánchez. De facto, o PP oscilou demais e demorou tempos infinitos a definir um código de conduta interna coerente relativamente à extrema-direita do VOX, o que nunca entendi lá muito bem, sobretudo porque o VOX cresceu à custa de gente que fez a travessia do deserto escondida no PP à falta de melhor. Assim sendo, esperar que essa gente regresse é um autêntico suicídio e um despropósito total.

A situação complicou-se de sobremaneira com o vulcão chamado Isabel Diaz Ayuso em Madrid, antes da sua reeleição, pelo modo como precipitou as eleições, e depois com uma estrondosa reeleição. Aí compreendeu-se como, apesar dos abraços e mãos dadas na altura da vitória, Ayuso e Casado protagonizavam estilos de condução da política totalmente antagónicos. Por algum tempo, o confronto deixou de ser Sánchez versus Casado, para passar a ser Ayuso versus Sánchez e os PP mais atrevidotes imaginaram seguramente que Ayuso poderia aspirar a voos mais largos.

Por estranho que pareça para alguém que acompanha relativamente bem a política espanhola, Ayuso parece por agora profundamente concentrada na questão Madrid. Não sei se pelo facto de entretanto as férias terem coarctado a dinâmica da vitória em Madrid, se pelo facto de Ayuso ter o seu projeto a mais longo prazo, a verdade é que, por estranha magia, a líder madrilena deixou de estar com tanta insistência no palco mediático e como sempre foi uma mulher muito ciosa da sua privacidade parece deixar a impressão que lhe basta por agora o desafio da grande comunidade e o seu regresso á normalidade possível.

Estas são as especificidades espanholas e fortes como se vê. Transpondo para o lado de cá não será difícil encontrar “Casados à portuguesa” para protagonizar a liderança da direita em Portugal. Independentemente do destino político de Rui Rio (e começo a pressentir que ele se prepara após as eleições autárquicas para tentar resistir e prolongar a sua via sacra, “na sua cadeira esperando a inevitabilidade da alternância democrática”), poder-se-ia dizer que teria potencialidades de evoluir para um estilo Casado e certamente teria recursos para ser alguém mais fiável. Mas há o paradoxo de Rio querer lá no fundo e estar interessado numa cooperação institucional com António Costa e afinal ser a eventual saída deste último que lhe pode abrir mais perspetivas de sobrevivência. Claro que há o posicionamento de Paulo Rangel que reunirá sobretudo o apoio dos que apoiaram Rio e estão dececionados com o que vai na carruagem. Mas o que a direita portuguesa gostaria é de um candidato (a) com o estilo Isabel Diaz Ayuso, alguém nos limites do populismo vistoso. O Observador registou com júbilo o vulcão Ayuso e sobretudo a sua agressividade para com Sánchez. Mas o problema é que não existem e o confronto das duas sociedades urbanas, a espanhola e a portuguesa sugere-me que a sociedade portuguesa não é ainda capaz de gerar uma Isabel Dias Ayuso. Pode gerar Susanas Garcias que bastem, acolitada por alguma televisão e imprensa, mas da raiz da urbanidade portuguesa não sairá com facilidade uma Ayuso para dar sentido e consistência à direita portuguesa.

A sociologia política deveria estudar com mais profundidade o efeito Ayuso, pois ele nasceu de um misto de defesa da liberdade face aos confinamentos e uma certa cultura do tabernismo urbano madrileno. Também por essa via não vislumbro em Portugal raízes deste tipo adaptadas à cultura portuguesa que possam ser o caldo para um projeto dessa natureza. E a direita portuguesa parece esgotar-se na dimensão económica, não se identificando uma ideia de cultura e sociedade livre desse fardo e da negação face ao Estado.

Mas concluo daqui que continuará a ser importante cotejar a evolução da política espanhola com a nossa, nunca se sabe até que ponto podemos ser surpreendidos. E o estilo picaresco de Barreiro Rivas ajuda a tornar esse cotejo divertido. De mal o menos.

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