Jerónimo de Sousa é, indiscutivelmente, uma pessoa estimável e um político respeitável; além de ser senhor de uma energia e combatividade dignas do maior louvor. Mas, no dia em que encerrou a “Festa do Avante” no ano que marca o centésimo aniversário do PCP, quero aqui trazer a questão do possível “engano” com que vai conseguindo manter o seu Partido à tona (embora com crescente dificuldade e com manifestas perdas de expressão).
Não me refiro tanto a um ideário que está manifestamente fora do tempo e, sobretudo, sem qualquer tradução internacional que possa servir-lhe minimamente de modelo (para não dizer farol, como no passado). Refiro-me, especialmente, a uma espécie de modo de estar que o Partido tem vindo a adotar (talvez a tal tenha sido objetivamente obrigado), e que alcançou um novo patamar com a “geringonça”, segundo o qual a defesa dos trabalhadores e a contestação oposicionista são meramente colocadas num compensatório prato da balança face a uma negociação e conciliação com o Governo que acaba por prevalecer como dominante no outro prato. Note-se que esta afirmação em nada contende com o facto de estas aproximações ao PS se saldarem por alguns benefícios pontuais no plano do posicionamento estruturante do Partido; mas, digamo-lo seriamente, não passam de aspetos marginais ou bastante localizados.
Ou seja: tudo se passa como se houvesse um PCP para afirmar valores e grandes linhas vanguardistas de orientação e uma CDU para tratar da ideia de uma aparência de aproximação ao poder que se julga condição para aquele espaço político resistir ao declínio (inevitável?) — e não haveria mesmo outra via estratégica (uma pergunta escusada e pueril?), que não a alternativa interna sempre presente de um regresso da ortodoxia dos “falcões” ideológicos, capaz de permitir uma mais credível renovação e uma consequente sobrevivência mais sustentada (veja-se o caso da afirmação do Bloco de Esquerda, sem prejuízo das suas diferentes lógicas e contradições e apesar das suas debilidades e dores de crescimento)?
Nos últimos dias, entre o Congresso do PS e a Festa do Avante, tivemos uma excelente ilustração disto: do lado governamental, tudo a acontecer como se a aprovação do Orçamento já estivesse largamente assegurada, no papo (mais migalha, menos migalha); do lado comunista, tudo a ser declarado como se ainda nada estivesse fechado e a margem de manobra para falar grosso existisse e fosse para levar a sério — é assim que se criticam os anúncios, se sublinha que não há condições para discutir o OE e de tal se culpabiliza António Costa, se vai ameaçando com rotura porque o Governo "emperra" medidas essenciais, se vai dizendo que há que arrepiar caminho para que o voto de aprovação seja conseguido, agitando-se em paralelo o velho slogan da necessidade de uma “política patriótica de esquerda” e, de vez em quando, um antieuropeísmo quase primário. Daí o meu título: Jerónimo não mente, certamente, mas usa a inverdade (no sentido de não dizer tudo quanto conhece e de se ficar por proclamações estritas e sem significativo fundamento em termos de realidade concreta) como elemento central de tática política.
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