sexta-feira, 24 de setembro de 2021

A DESTRUIÇÃO CRIADORA DÁ PRÉMIO

 


(O banco espanhol BBVA, com sede em Bilbao, concedeu por intermédio da sua Fundação um prémio generoso, 400.000 euros, Fronteiras do Conhecimento, aos economistas Philippe Aghion e Peter Howitt, centrado especialmente nos contributos do economista francês e do seu colega americano para o desenvolvimento do conceito de destruição criadora, cuja origem se situa no pensamento de Schumpeter sobre os processos de inovação e a sua indissociável ligação ao capitalismo. Não sei se há aqui algum espírito santo de orelha sobre o que pode ser um próximo, não necessariamente este ano, Nobel de Economia. Não é por esse ângulo que me apetece pegar no assunto, mas antes sobre a notoriedade que finalmente alguns economistas franceses vão assumindo).

Os contributos de Aghion e Howitt estão entre o que de melhor temos disponível para acompanhar a formalização dos modelos de crescimento endógeno que já deram origem a dois Nobel relativamente recentes, o de Robert Lucas e o de Paul Romer, curiosamente de candeias às avessas sobre o significado e limites da formalização matemática em Economia. Os manuais Endogeneous Growth Theory (1998) e The Economics of Growth (2009, ambos da MIT Press são duas referências incontornáveis para o ensino do crescimento económico não ao nível de licenciatura, mas sim ao de mestrado e doutoramento. E o Handbook of Economic Growth em dois volumes que Aghion coordenou com Steven Durlauf para a North Holland sistematiza-nos de uma forma elegante sobre o que é essencial ler para se ter uma perspetiva avançada do crescimento endógeno. O trabalho conjunto de Aghion com Jeffery Williamson – Growth, Inequality and Globalization – Theory, History and Policy, Cambridge University Press, 1998 (2001) foi-me ainda especialmente útil nas minhas aulas de Globalização e Desenvolvimento Económico no mestrado de Economia e Gestão da Inovação com que finalizei a minha passagem pela FEP.

Aghion e Howitt foram também os primeiros a formalizar os modelos de inovação com destruição criadora que está no coração do pensamento de Schumpeter sobre a inovação.

Como seria compreensível, não seria por esta dimensão de grande formalização matemática que o economista francês, amigo pessoal do Presidente Macron, ganharia notoriedade pública.

Em paralelo com o seu trabalho de formalização rigorosa dos diferentes caminhos do crescimento endógeno e da inovação, Aghion começou a publicar um conjunto de textos de maior acessibilidade ao público em geral de que distinguiria o seu Repenser L’État – Pour une social-démocratie de l’innovation, publicado pela Seuil em 2011 (escrito com Alexandra Roulet). É nesse caminho que devemos inscrever a já aqui, neste blogue, citada obra sobre a Destruição Criadora, Le Pouvoir de la Destruction Créatrice, escrito com Céline Antonin e Simon Bunel.

Aghion faz parte conjuntamente com Jean Tirole (também Nobel) e Thomas Piketty do grupo de economistas franceses que alcançaram recentemente uma notoriedade a que não estávamos habituados a reconhecer em economistas de língua francesa, pelo menos nos tempos mais recentes. Para sentir esse reconhecimento teríamos de recuar fortemente no tempo e falar de economistas como François Perroux, Maurice Allais ou Edmond Malinvaud. A inovação e a destruição (Aghion), regulação e poder de mercado (Tirole) e desigualdade (Piketty) são temas de uma atualidade gritante, o que associados à capacidade revelada por estes economistas de associar rigor formal e comunicação de ideias noutros registos e planos de análise, explicam em meu entender este saudável reconhecimento para lá dos limites da academia americana.

Pode dizer-se também que Aghion, Tirole e Piketty sempre mantiveram laços de forte cooperação com a academia americana e nela trabalharam durante longo tempo. Aliás, na entrevista que Aghion dá ao El País em Bilbao (link aqui) onde foi receber a parte que lhe toca no prémio dos 400.000 euros da Fundação BBVA, pressente-se o profundo conhecimento que o economista francês tem do mundo empresarial e institucional que explica a sua pujança inovadora.

O que não deixa de ser uma ironia face ao contexto atual de alguma crispação entre a França de Macron e os Estados Unidos de Biden a propósito do AUKUS e das suas réplicas geopolíticas. É bom perceber que culturalmente a França foi sempre dominantemente antiamericana. Mas não posso ignorar o significado da notoriedade de alguns franceses, como esta observada na economia, acontecer quando esses muros do antiamericanismo são quebrados, como Aghion, Tirole e Piketty o fizeram, e não são menos franceses e europeus por terem dado esse passo.

Mais do que o chorudo prémio da Fundação BBVA era este ponto que me interessava trazer hoje para este espaço.

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