(Não gosto lá muito de avaliações catastrofistas sobre a antecipação de resultados de momentos políticos como as eleições alemãs do próximo dia 26 de setembro, ao mesmo tempo que nós próprios nos preparamos para o exercício do voto autárquico. Não é que as eleições que vão marcar o futuro depois de Merkel não sejam decisivas para os alemães, mas também para a Europa, agora que o AUKUS já analisado pelo meu colega de blogue encurralou ainda mais a União Europeu no atual xadrez político internacional. Les Amis Français vociferaram falando em traição e perda de confiança e, apesar disso, talvez pela semana que se vive não se ouviu grande coisa por parte dos alemães em termos de reação ao acordo político EUA-Reino Unido-Austrália).
Com esta azáfama de antecipar o que será o futuro sem Merkel, temos passado por cima de uma outra evidência, que é a presença no Bundestag da AfD, extrema-direita alemã, com 12,6% dos votos a suportar essa presença. Estimam os analistas que a AfD não perderá grande coisa em termos de poderio eleitoral. Fala-se de 11% do eleitorado atribuível à extrema-direita no próximo domingo e é tempo de, para além de outras consequências da saída de de Angela Merkel, começar a pensar se com a sua saída permanecerá o cordão sanitário estabelecido sobre o possível avanço eleitoral da AfD. Se querem que vos diga essa é a minha grande preocupação, pois se esse dique rompe então tudo o que possamos pensar sobre o contributo alemão para a consistência do projeto europeu cairá também por terra.
Porque é que eu falo desse dique ou cordão sanitário em torno da AfD?
Pela razão simples de que há evidências seguras de que a pretensão de suavizar ou branquear a responsabilidade dos alemães perante a crueldade nazi e de reescrever a história nesse sentido foi literalmente barrada pelas restantes forças políticas alemãs. Essa barragem produziu tal efeito que os analistas políticos analisaram a campanha da AfD para as eleições de domingo próximo e chegaram à conclusão que as frases de branqueamento do nazismo desapareceram literalmente da campanha eleitoral, o que significa que a extrema-direita estimou que isso não lhe traia qualquer vantagem eleitoral, dada a barragem das forças democráticas. O que significa que a decisão de transformar a data do 8 de maio, data que comemora o fim do Terceiro Reich, em dia de libertação nacional proclamada em 1985 por Richard von Weizsäcker, primeiro Presidente da Alemanha unida parece ter calado fundo entre os alemães e comprometido a generalidade das forças democráticas.
Quanto ao que se sabe das sondagens e previsões eleitorais do próximo domingo, o que parece ressaltar dos resultados dos debates entretanto organizados é que os alemães parecem mais empenhados em valorizar um dado estilo de chanceler do que propriamente interessados em discutir a cor das coligações eleitorais que se desenham para a governação. O candidato social-democrata Olaf Scholz, atual vice-chanceler de Merkel, parece convencer mais os alemães do que o candidato proposto pela própria Merkel da CDU, e isso acontece mais pelas características do candidato do que pelas diferenças do ideário do SPD relativamente à CDU. Scholz parece convencer mais os alemães de que as suas pensões serão defendidas a todo o custo do que a pretensa (discutível) modernidade do SPD. E é esse facto que tem penalizado em meu entender a mudança mais radical que representaria a subida a chanceler da líder dos Verdes Analena Baerbock.
Não vou divagar sobre as colorações possíveis do governo alemão, pois tanta cor e sigla põe-me tonto, considerando que as duas mais prováveis serão a reedição da coligação SPD-CDU ou o seu eventual reforço com os Verdes, tudo dependendo do alinhamento final na noite de domingo.
De positivo teremos uma noite eleitoral não limitada pela pequenez da nossa pequena política (provavelmente alimentada por um Santana Lopes de novo por aí) e salpicada de alguns olhares sobre o novo espectro político alemão, o que dará para pensar em horizontes mais largos. De mal o menos.
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