(Jornal Público)
(Em post anterior, sugeri que as minhas expectativas sobre as autárquicas de domingo próximo não são altas. As eleições alemãs superam largamente o interesse sobre os resultados possíveis dos nossos confrontos locais, sem que isto belisque de todo a genuinidade democrática da proximidade. Mas, para mais, o reencontro com os meus netos de Lisboa abafa tudo o resto. Apesar desta desvalorização de expectativas justificam-se algumas reflexões finais antes do inqualificável, para os tempos de hoje, momento de reflexão).
Nestas autárquicas há que distinguir entre o que podem os seus resultados finais representar do ponto de vista da política nacional e o significado de alguns confrontos locais, alguns mais apimentados e, regra geral, sempre acompanhados de birras, afastamentos, roturas, acusações e toda a série de altercações domésticas que a escolha dos candidatos e o choque entre concelhias, distritais e nacionais sempre acarreta. Diria mesmo que sem esta turbulência local, que por vezes deixa marcas, as eleições locais não seriam elas próprias. São os custos da gestão política de proximidade e, em meu entender, a valia das autárquicas compensa esta turbulência.
No plano das implicações políticas nacionais, os nossos jornalistas não se esquecem do “pântano” de António Guterres após as autárquicas de 2001, com derrotas do PS em Lisboa e Porto e uma ampla derrota a nível global, e da sua decisão de extrapolar resultados do local para o nacional. Mas, no caso vertente, vão ser obrigados a dar largas à sua imaginação para encontrar dimensões de análise nessa vertente. Acho que o Henrique Monteiro tem razão quando refere que o PSD de Rui Rio e o próprio António Costa já se encarregaram de desarmadilhar os futuros resultados. O primeiro refugiou-se no referencial de muito baixa votação obtida por Passos Coelho para automedir o pulso de resiliência e, por isso, só um naufrágio de larga escala, que não aparece refletido nas sondagens conhecidas, obrigaria Rio a um outro posicionamento. Isso não significa, como é óbvio, que os seus adversários usem os mesmos critérios de leitura dos resultados. Não é difícil imaginar que Rangel, Luz e outros acólitos cansados de tanta moleza se refugiem no significado intercalar que as autárquicas costumam assumir face ao estado da governação para mostrar que os resultados de Rio serão dececionantes. Costa, por sua vez, partindo de um resultado tão elevado de Câmaras Municipais do PS, pode dar-se ao luxo de definir uma margem de perda de contenção. E também não será difícil imaginar que usará o argumento contrário dos rivais de Rio – o cartão amarelo será pálido e, se for inteligente, focará a ação política nos desafios estratégicos do País.
Não estou a ver nos restantes partidos matéria e substância para grandes implicações de leitura nacional. Até Ventura já se apressou a arrefecer expectativas, invocando as dores de crescimento e a inexperiência local. Para mim, o ponto fundamental em torno do Chega será estimar o número de trânsfugas locais de gente que gosta de estar próxima do poder local de que a formação de Ventura irá beneficiar. Quanto ao PCP/CDU, arriscaria dizer que Évora será a grande preocupação, aguardando o PCP que os deuses lhes forneçam em Almada a salvação da noite.
Passando agora ao nível dos confrontos locais, esperaria mais do confronto político em Lisboa. A experiência de utilização da ida a votos em Lisboa de Carlos Moedas como tirocínio político para mais altos voos não parece ter corrido pelo melhor, salvo qualquer mudança súbita do eleitorado. O alvoroço que a sua candidatura representou, que serviu até para interromper a malhação sobre Rui Rio, entrou rapidamente em rendimentos decrescentes, com alguns pormenores de estarrecer, como o foi aquela entrada no fórum da TSF como se tivesse sido convidado e se perceber que Moedas tinha telefonado como um vulgar cidadão habituado aos impulsos da rádio. Rio continua a afirmar que o seu “feeling” é que Moedas ganhará em Lisboa, contra todas as sondagens, o que sugere que Rio poderá encontrar ocupação noutras atividades que exijam “feelings” insuspeitos e ao alcance apenas de alguns. Dá alguma pena ver uma candidatura programaticamente tão interessante, sobretudo na área da habitação, como a da CDU, perder impacto por questões que transcendem a candidatura e que se prendem mais com o posicionamento político global do PCP, face ao mundo e face ao país. Aliás, basta comparar a candidatura da CDU a Lisboa e ao Porto (será que não seria possível alguém mais virado para o futuro do que a Ilda Figueiredo) para perceber a qualidade da primeira.
Por falar no Porto, o melhor indicador da debilidade de confronto aí verificado, com as sondagens anunciando a maioria absoluta de Rui Moreira, é o facto de toda a gente se interrogar se Moreira vencerá a sua batalha judicial ou se na prática Filipe Araújo será o Presidente futuro. A última sondagem é algo penosa para o PS e para o seu candidato, sugerindo que o que nasce torto …
No meu post anterior sobre autárquicas já falei de alguns confrontos sobre os quais valerá a pena direcionar a atenção.
Coimbra é talvez o mais apimentado de todos, conhecendo a personalidade política do atual Presidente do PS Manuel Machado. Independentemente do resultado final, tudo se conjuga para que, mesmo eventualmente ganhando, Machado seja conduzido a uma governação difícil. Recordo que o movimento independente alargado Somos Coimbra com uma vasta coligação com PSD e CDS lá representados em torno de José Manuel Silva (ex-bastonário da Ordem dos Médicos) e agora designado de Somos Coimbra se fracionou, existindo um outro movimento de independentes. Luta rija, mas pelas ideias em confronto, não há propriamente uma oposição entre o velho e a tradição representados neste caso pelo PS e algo de novo, verdadeiramente arejado, protagonizado pelos desafiantes. Coimbra continua à procura desse arejamento, veremos se é para a próxima.
Finalmente, dois microcasos que poderão suscitar alguma atenção em função dos resultados.
Em Barcelos, uma coligação PSD-CDS mais o movimento independente de Domingos Pereira, que se desligou do PS na sequência das últimas autárquicas, procura atacar o que restou do complicado mandato de Miguel Costa Gomes. No Marco de Canavezes, a Professora Maria Amélia Ferreira, ex-diretora da Faculdade de Medicina do Porto e atual líder da Misericórdia Local desafia o poder do PS (Cristina Lasalete Vieira) com uma candidatura PSD-CDS que deixou marcas nas estruturas políticas locais deste último. Valem o que valem, mas são evidência do meu ponto: embora sem grandes e decisivas implicações nacionais, existem confrontos locais com o seu encanto.
Nota final:
Em Caminha, onde não voto mas que me interessa, dou conta de um cartaz eleitoral em que Miguel Alves candidato à reeleição aparece com o candidato à Junta de Freguesia de Seixas, que é nada mais nada menos do que o pequeno construtor civil que lá se conseguir arranjar para umas pequenas obras de manutenção no condomínio. O que pensar?
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