terça-feira, 7 de setembro de 2021

E SE FALÁSSEMOS DE ATRAÇÃO E BOM ACOLHIMENTO DE IMIGRANTES?

 

                        (Fotografia de Filipe Amorim para o Observador)

(O estilo do debate político em Portugal sobre alguns temas é sui generis. Há vozes que se manifestam com algum peso sobre os temas, por vezes suscitam muita comoção, mas a travessia até que esses temas atinjam o plano da decisão política consistente é longa, penosa e frequentemente inconsistente. O caso da necessidade de atrair e acolher imigrantes para salvaguardar alguma dinâmica demográfica pertence a esse universo e melhor do que outros ilustra o meu argumento.)

No último ano e em plena pandemia, o tema da imigração e do posicionamento de Portugal e do seu território perante a mesma irrompeu no debate público. Identifico pelo menos três manifestações desse aparecimento, aqui apresentados não necessariamente pela ordem com que emergiram no debate.

A publicação pelo INE dos Resultados Preliminares do Censo 2021 foi largamente impactante e suscitou uma multiplicidade de comentários, desabafos, investidas contra as políticas públicas pela deceção de resultados de alguns investimentos nacionais e locais, grandiloquência de Como se o declínio demográfico português fosse uma novidade ou surpresa. Não o é, como alguém que trabalha em planeamento o sabe há muito tempo, dada a força de todos os cenários que têm sido avançados. Talvez haja uma pequena surpresa quanto à velocidade de aceleração do problema, mas também aí a dominante é todos os desafios que se abatem sobre o mundo mais desenvolvido a ocidente verem a sua manifestação acelerar-se.

O conhecimento antecipado que temos do declínio demográfico mostra que temos adiado soluções, pois ao fim de tantos cenários e perspetivas ainda há boas almas que continuam a alimentar a ilusão de que é por via do aumento da natalidade que iremos lá (mais rigorosamente do aumento da taxa de fertilidade, número médio de filhos esperados em média para uma mulher em idade de procriação). Sem ignorar que esse tipo de políticas deve fazer parte, ainda que de modo não determinante, do mix integrado de políticas para abordar o problema, essas boas almas parecem ignorar questões cruciais como a urbanização, a poderosa entrada da mulher na vida ativa, custos de oportunidade de mais filhos, condições gerais económicas do país, novos modelos de família, enfim um rol de fatores que tendem a rebaixar a taxa de fertilidade. Numa espécie de tendência coletiva para afastar as decisões que importam, muito pouca gente se tem apercebido que o dilema é ir desaparecendo com país demograficamente dinâmico ou então gerir proactivamente a imigração.

O caso da agricultura intensiva e dos obscuros casos de gestão de mão de obra imigrada que ela tem implicado para garantir a força de trabalho que precisa lança outro fogacho sobre o tema, como a mediatização do caso de Odemira bem o ilustrou. Mas também aqui não há novidade. Quantos outros casos desta natureza ocuparam no passado os jornais? Eles poderiam constituir uma boa oportunidade para compreender que a questão não é apenas “imigração”, mas antes atração e bom acolhimento, ou seja uma gestão do fenómeno como opção nacional. Mas não. Aparecem, obsessionam os jornalistas e perdem-se imediatamente na espuma do novo acontecimento. Mesmo o panorama das estratégias locais de habitação mostra-nos que muito poucas estratégias por esse país fora colocam a atração e bom acolhimento de imigrantes como centro do seu desenho e implementação.

O terceiro fogacho acontece sempre quando Portugal se chega à frente no acolhimento de refugiados, que são uma família particular, mais dramática, de imigrantes. Claro que aqui os media dão mais importância ao facto dos refugiados encarem Portugal como pente para entrada noutros países europeus mais atrativos, como por exemplo a Alemanha. Mas também não devemos ignorar que, por mais empatia e comoção que coloquemos no acolhimento de refugiados, dando origem a algumas bravatas comunicacionais de ministros empolgados por nos chegarmos à frente apesar da nossa pequenez, a verdade é que não fazemos acompanhar essa comoção e empatia com uma estratégia visível e coerente para a sua atração e fixação. O assassínio do cidadão ucraniano nas malhas do SEF circulou obviamente entre as ONG mundiais e essa notoriedade não é propriamente a melhor e a mais convidativa para gerar atração e fixação.

Os três exemplos no debate público de incidência de questões demográficas e imigratórias que poderiam gerar um clique de perceção de que se abre a Portugal um campo interessante de gestão proativa dos movimentos imigratórios como fonte de dinamismo demográfico para ir aguentando o lento recrudescimento da taxa de fertilidade mostram que existe material para a síntese, mas esta não se dá.

Espanha tem um problema semelhante e parece que começa a despertar para uma ação mais proativa (veja-se o sugestivo artigo de Borja Monreal Gainza no El País, link aqui). Que razões poderão ser apontadas para a incapacidade de dar um passo à frente em termos de políticas consequentes?:

  • A dificuldade do tema, sobretudo pelas escolhas públicas que estão em jogo: que imigração atrair e sobretudo como organizar a gestão da atração e do acolhimento? Cá para mim, não acredito que o mercado seja capaz por si só de assegurar essa gestão e penso mesmo que devem ser criadas instituições para essa gestão coletiva de mão de obra (ou conceder mandatos explícitos a instituições existentes);
  • A sensibilidade do tema imigração nas comunidades locais e não estou a falar apenas de manifestações locais de xenofobia latente;
  • A sensibilidade política do mesmo, sobretudo pelo populismo latente que grassa nas forças políticas;
  • E, não menos importante do que os restantes fatores, o efeito (penalizador) País no contexto de uma União Europeia que vive o mesmo problema e que não necessita de estratégias proativas, pois o destino natural das migrações beneficia os países mais estruturados e desenvolvidos.

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