(Este é dos casos em que me apetecia escrever “adicção” e não adição para sublinhar que é de comportamentos aditivos que pretendo hoje falar. Mas não dos comportamentos individuais aditivos, que todos temos em escala e de tipo diferentes, mas para trazer à liça a questão dos Fundos Europeus, ou dos FEEI como agora se diz, e uma corajosa entrevista da Comissária Elisa Ferreira, já anteriormente invocada pelo meu colega do lado. Sou dos que penso que Portugal deveria internamente preparar-se mais afincadamente para o desmame progressivo dos Fundos, embora também sinceramente não acredite que os catastrofistas de elite ou sofisticados como a Clara Ferreira Alves tenham razão quando clamam que o dinheiro acabou com este período de programação. Há várias dimensões de adição em relação aos Fundos Europeus, não vou refletir sobre todas essas dimensões, limitando-me a trazer para aqui dois aspetos – o peso desproporcionado que os Fundos Europeus têm vindo a assumir no financiamento de certas políticas públicas e os efeitos que os Fundos provocam na complexificação do quadro institucional de suporte ao desenvolvimento em Portugal, que precisa em meu entender de ser racionalizado, com destruição criadora se for necessário, e não de evoluir para um emaranhado para o qual não temos recursos de coordenação. )
É necessário desde já cortar pela raiz o argumento idiota com que já me confrontei várias vezes, regra geral vindo de quem apoia acefalamente uma maioria de governação, qualquer que ela seja, e que se traduz naqueles sorrisinhos irritantes insinuando algo do tipo “lá está este caramelo a sugerir que não utilizemos os Fundos a que temos direito”. Pois, caros apoiantes acéfalos da governação, não se trata obviamente de recusar Fundos que os regulamentos comunitários nos concedem. Nenhum poder político, por mais estúpido que fosse, aceitaria uma enormidade dessas. Trata-se sim de combinar de forma diferente e mais incisiva recursos comunitários e recursos nacionais de raiz, fazendo com que se torne legível essa combinação nas políticas públicas consideradas-chave para a mudança estrutural da economia portuguesa.
Há domínios em que a mobilização dos recursos comunitários é vital, seja através dos Fundos Estruturais geridos em programas pelo Estado membro Portugal, seja promovendo melhores condições de acesso a fundos geridos pela própria Comissão Europeia e cujo acesso é competitivo. É o caso de domínio como a investigação científica e tecnológica e a inovação, no qual a dinâmica natural de evolução europeia penalizará sempre os países de menor desenvolvimento e apetrechamento tecnológico, através de uma coisa que nós economistas designamos de rendimentos crescentes. As massas críticas de recursos mais salientes nessas matérias tendem naturalmente a pontuar na dinâmica de inovação, sendo por isso necessário um esforço de contrapeso e de compensação. Ou seja, um campo natural para os Fundos Europeus intervirem, obviamente com seletividade e resistindo à tentação, que vem por vezes de Bruxelas, de utilizar tais recursos como instrumentos de política conjuntural, fortalecendo a procura na economia, como já sucedeu várias vezes no país com os sistemas de incentivos.
Se a política de inovação constitui um domínio preferencial de predomínio de financiamento com Fundos Europeus, já por exemplo noutras políticas, como a da valorização do ensino profissional, depois do impacto sistémico que o Fundo Social Europeu (FSE) permitiu alcançar, é fundamental que recursos nacionais de raiz e recursos europeus vão sendo combinados de modo diferente, com peso progressivamente crescente de fundos nacionais. A adição sistémica é um risco muito sério para a saúde do sistema de políticas públicas e o ensino profissional passa por essa situação. O desmame progressivo do FSE é crucial para se encontrar condições de apoio e financiamento de uma atividade essencial como é a da formação profissionalizante compatíveis com a massa crítica dos nossos recursos e capacidades. Não adianta de todo projetar um sistema para níveis de bondade de apoios (as bolsas de formandos, por exemplo) que não possamos aguentar no futuro. E, noutro plano, poderão existir áreas de formação em que é necessário ir além dos valores de pagamento a formadores que o FSE possibilita financiar. Todas essas opções de adaptação do edifício da política às nossas condições quanto mais cedo se conseguir melhor. O que não se confunde obviamente com abandonar o financiamento europeu.
Há uma outra dimensão da adição de Fundos Europeus que também me preocupa e que se prende com os efeitos que eles trazem consigo em matéria de tecido institucional. Todos conhecemos a prática regulamentar seguida pela Comissão Europeia e outras autoridades comunitárias de fazerem acompanhar as ajudas de sugestões/obrigações institucionais de modelos de entidades e organizações para protagonizar os investimentos. O tecido institucional local, regional e nacional está cheio de entidades “almas penadas”, verdadeiros “zombies” institucionais que se esgotaram num período de programação ou dois e que permaneceram depois num limbo de existência, arrastando-se à míngua de apoios para financiar a estrutura existente, mesmo que emagrecida à força. Essa feira de vaidades institucionais foi avançando sem ter em conta que a proliferação institucional faz aumentar a necessidade de recursos de coordenação. Ora esses recursos escasseiam em Portugal. Isso é já visível em muitos processos e sobretudo dá-se conta do fenómeno através das queixas amargas de quadros e técnicos torturados por tantas reuniões.
É bom que se diga, em jeito de contraponto, que foram os Fundos Europeus a trazer a onda das instituições colaborativas (programas e agendas mobilizadores, projetos em copromoção, parcerias), criando novos estímulos à cooperação de recursos. Mas convém não esquecer que também essas atividades colaborativas exigem recursos de coordenação e esse é sem dúvida um recurso escasso em Portugal.
Um país como o nosso que carece de recursos de coordenação não pode atomizar, antes pelo contrário. Deve concentrar institucionalmente. Os Fundos Europeus não podem contribuir como o fazem em inúmeras situações para criar organizações e instituições não sustentadas apagado que seja o apoio que lhes deu origem. Nos inúmeros trabalhos de avaliação de programas com Fundos Europeus que faço esta questão aparece muito ao de leve e sem o tratamento sério que deveria merecer. É incómodo reconhecê-lo, mas os FEEI têm vindo a atomizar o nosso tecido institucional e, por essa via, a torná-lo menos sustentado.
O PRR é muito ambivalente a este respeito e este é um tema de discussão que tem sido pouco debatido.
Do ponto de vista da inovação, as Agendas Mobilizadoras que foram tão faladas na semana que passou, com anúncio público dos milhões envolvidos, representam no meu modesto entender o que de melhor o PRR poderá trazer à economia portuguesa. Seguramente que nem todos os milhões anunciados irão criar futuramente valor na economia portuguesa. Há uma coisa que não podemos ignorar e que se chama risco de inovação. Mas, ponderado esse risco e confiando que a análise de mérito das agendas foi rigorosa, temos aqui o que de melhor os Fundos Europeus podem trazer – cooperação de recursos, sem implicar a criação de novas instituições, apenas parcerias colaborativas com uma liderança clara.
Mas o PRR também alimenta a atomização em vez de favorecer a concentração de massas críticas. Parte dos apoios à educação superior e avançada, numa lógica embora de apoio à inovação e às competências STEM, irá gerar em meu entender a emergência de equipas sem massa crítica inicial, dispersando em vez de consolidar.
Reservo-me para uma reflexão mais fundamentada sobre a experiência que o Ministério da Educação irá financiar através do PRR, os Centros Tecnológicos Educativos, figura a partir da qual se pretende consolidar a transformação digital nas escolas. Cheira-me que do ponto de vista da concretização, as Escolas irão sentir extrema dificuldade em perfilar-se para estes concursos de financiamento europeu do PRR. Mas preciso de mais elementos para avaliar melhor o que estará a passar-se.
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