Confesso que tinha uma enorme curiosidade em sentir de perto a realidade da situação político-social em Chipre. A oportunidade chegou agora, algo imprevistamente, e está também a tornar-se ocasião para uma saborosa retoma das minhas incursões/explorações pessoais por realidades a que o acesso me vai sendo permitido, seja por via de contactos anónimos e de rua seja por via de contactos mais diferenciados que sempre surgem. Havendo que aproveitar bem o pouco tempo ao dispor, não o desperdiçarei em muito aprofundadas referências bloguistas de balanço de um tipo de experiência de que já sentia a falta desde a forçada interrupção pandémica e que me é quase vital para um carregamento de baterias preferencialmente através de conhecimento vivido e apreendido in loco (se possível com o complemento de apropriados insights históricos e monumentais) ― são estas as minhas viagens favoritas, aquelas em que o meu eu se foca e expressa em toda a sua abrangência e plenitude.
Percorrendo uma Nicósia dividida, embora sem grandes restrições de circulação (acima uma foto da “fronteira” à chegada ao lado turco, repare-se no forever) entre o Sul (que pertence à República) e o Norte (que pertence à chamada República Turca do Chipre do Norte, vulgo zona ocupada pelas tropas turcas), não é muito evidente nos quotidianos que se observam o trauma de uma ilha dividida, não obstante os dramas relatados pelos mais velhos (aqueles que viveram a invasão de 1974 e que dela tiveram testemunhos de mortes e desaparecimentos); os jovens olham mais para um desejado futuro europeu e a classe média ainda está largamente ocupada a absorver o haircut decorrente da crise financeira de 2012/2013. Mas a ideia de reunificação não deixa de pairar por lá, muito por força da presença das Nações Unidas e da participação da República na União Europeia (que considera a ilha como um todo como território seu e, assim, não deixa de contemplar o Norte com um programa de ajuda ao desenvolvimento, aliás fonte de queixas por parte das autoridades pró-turcas numa lógica bastante contraditória entre a proclamação da sua independência, não reconhecida internacionalmente, e a defesa de maior acesso a dinheiro europeu e de maior liberdade própria na sua aplicação).
As caras do momento são as que acima se apresentam: na linha de cima, os principais responsáveis (atuais e a vir) da República de Chipre (o presidente Nicos Anastasiades, o futuro presidente Nikos Christodoulides ― haverá eleições em fevereiro de 2023 ― e o presidente mais desejado pelos mais esclarecidos e românticos da reunificação, o atual ministro dos Negócios Estrangeiros Ioannis Kasoulides; na linha de baixo, o atual presidente da área ocupada pelos turcos Ersin Tatar, o seu “representante especial” em Chipre Ergün Olgun, tido por ser o “duro do regime” e a voz de Erdoğan, e o anterior presidente Mustafa Akıncı, saído em final de 2020 e tido por ser bastante mais flexível e moderado do que o atual). As indicações que reuni, sem qualquer inside information mas após boas conversas com um eurodeputado S&D (Costas Mavrides) e uma agente cultural prestigiada (Rita Severis, responsável por uma fundação que gere o interessante museu CVAR), parecem assim apontar para perspetivas não muito animadoras sobre a atuação dos protagonistas e o modo como eles poderão influenciar no bom sentido os tempos mais próximos, com a agravante da constrangedora presença de Turcos (que sempre espreitam uma conquista territorial) e Russos (que, na presenta conjuntura, não favorecerão qualquer alteração do status quo).
Ah, e já agora, o resto da ilha parece ser magnífica a vários títulos (sobretudo pela constante presença do Mediterrâneo em todo o seu esplendor), mas só amanhã vou dar uma saltada mais detalhada a Paphos e Limassol, razão pela qual não deverei marcar presença neste nosso espaço. Até breve!
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