(Alertámos neste blogue para a evidência pré-pandemia de que a desigualdade avançava célere nas economias mais maduras e avançadas do Ocidente, embora no plano da economia global, admitindo que não havia países ou estados e os rendimentos eram ordenados dos mais pobres para os mais ricos, se atravessasse um período de alguma melhoria, com melhorias na pobreza sobretudo na Ásia e o crescimento de uma classe média com a China à cabeça como elemento motor. Esse aumento de desigualdade teve os seus fatores explicativos, aos quais por razões de tempo e dimensão de texto não voltarei. Ora, o que sabemos hoje é que, sem tempo ou margem de manobra das políticas públicas para contrariar o problema, a pandemia e agora mais presentemente a inflação vêm agravar significativamente o problema, numa espécie de tempestade perfeita e cumulativa de causas, com a Guerra de permeio.)
A OXFAM espanhola, OXFAM Intermón, acaba de publicar um texto oportuno e curioso que se designa nada mais nada menos “LA DESIGUALDAD NO SE VA DE VACACIONES”. No centro dessa tempestade, está obviamente a inflação de que algumas causas podem ser reportadas à incidência da pandemia mas que agravam substancialmente os efeitos de desigualdade que esta e os confinamentos tenderam a produzir, apesar das meritórias intervenções públicas de correção de situações sociais mais graves.
Pelo menos do ponto de vista da desigualdade funcional entre salários e lucros, por mais simplista que este modelo possa parecer, a inflação tende regra geral a degradar a repartição do rendimento, penalizando salários. A razão é simples. Com maior ou menor dificuldade em função do seu poder de mercado e de fixação de preços, as empresas acabam por conseguir repercutir para a frente o aumento de preços que sofrem a montante. Já os salários, começando pelos contratualizados, enfrentam alguma rigidez contratual de revisão de montantes e os que não são contratualizados e assentam em regimes precários tendem por maioria de razão a ter extrema dificuldade em concretizar a chamada correção monetária. Mas não só no plano funcional da repartição do rendimento isso acontece. Também no plano da repartição pessoal, a perda de poder de compra atinge sobretudo os grupos com menor capacidade social de negociação.
Como sempre acontece em comparação com a situação portuguesa, em Espanha as coisas piam sempre mais fino. Não por acaso, Nuñez Feijoo, o novo líder do PP, confessava desassombradamente que a inflação e os seus efeitos na sociedade espanhola bastariam por si só para degradar a posição do Governo de Sánchez e colocá-lo perante a necessidade de eleições antecipadas.
O estudo da OXFAM Intermóm avança com alguns elementos, reportados a maio de 2022, que anunciam essa tempestade perfeita: (i) estima-se que as famílias de mais baixo rendimento sejam 30% mais penalizadas com o aumento de preços do que as famílias mais ricas; (ii) nessas famílias de menos recursos, cerca de um terço dos seus rendimentos são destinados a pagar a fatura energética; (iii) para um mesmo cabaz de compras, a capacidade de poupança das famílias de rendimentos mais baixos será degradada 3,5 vezes; (iv) e, para as classes médias, se antes do aumento de preços pelo menos metade conseguia poupar alguma coisa, essa capacidade será reduzida para apenas 30% das famílias de classe média.
Em Espanha, o que me parece ainda mais preocupante é que a chamada inflação subjacente, a que não tem em conta os aumentos de preços de bens alimentares e de produtos energéticos, está ela também a rondar os 5% (dados de maio de 2022). A tempestade perfeita está no facto de serem por isso os que chegaram a esta crise inflacionário exaustos, descapitalizados, com maior exposição à doença os que vão ser mais atingidos pela natureza desigual da inflação.
Retiro deste contexto, extrapolando a partir de Espanha, que ainda não estaremos em tempo de desarmar as políticas sociais de largo espectro, trazidas pela recuperação dos dados da crise das dívidas soberanas e pela incidência da pandemia. Que se danem os que pensariam num desarmamento mais rápido e efetivo desse arsenal de políticas sociais. O longo período de agravamento da desigualdade que se avizinha recomenda o contrário.
Nota final:
O título do estudo da OXFAM Intermón é sugestivo, mas não devemos ignorar que pelas razões apontadas no "informe" uma grande parte da população mais atingida pelos efeitos inflacionários só terá as suas "vacaciones" no plano da imaginação.
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