Prestei ontem alguma atenção ao chamado debate do “Estado da Nação” que ocorria na Assembleia da República. Um momento democraticamente necessário mas lamentavelmente paupérrimo em termos de conteúdo efetivo e relevância cívica (ficou para a fotografia o especial cumprimento de Costa a Rio, agora que este vai tendendo a desaparecer do seu radar de possíveis sombras). Praticamente tudo foi confrangedor, embora o formalmente mais inqualificável (a tímida e tremida prestação do novo líder de bancada do maior partido da Oposição) não tenha coincidido com o mais verdadeiramente inaceitável (a crescente confusão, já indisfarçada pelo primeiro-ministro, entre os jogos florais em que é exímio e a realidade que distorce a seu bel-prazer em função dos interesses de cada momento). No resto, Ventura esteve apagadíssimo (mesmo na utilização e exploração da demagogia e da mentira com que vai procurando enganar a gente), Cotrim esteve igual a si próprio (bem falante mas longe dos problemas e das soluções), Catarina esteve esforçada mas sempre diminuída perante a forma implacável como é tratada por Costa (não faria bem o Bloco em pensar na sua saída enquanto cara de comando?) e Jerónimo esteve por lá enredado num “discurso de Melhoral” (não faz bem nem faz mal) que já ninguém quer ouvir nem perder tempo a contestar. Uma lástima que diz bem do que é hoje a qualidade daqueles que são tidos por serem uma amostra representativa da política e dos políticos nacionais!
Volto a António Costa, recorrendo à sua gabarolice de referenciar as últimas projeções da Comissão Europeia como ilustrativas do quanto de magnífico por cá vai acontecendo em termos de crescimento: “Portugal, segundo a Comissão Europeia, será o país da União que terá o maior – repito o maior – crescimento económico este ano”. Ora vejamos, mesmo sem qualquer recurso a um polígrafo desses que andam por aí: sim, a Comissão Europeia reviu em alta de 0,7 pontos percentuais o crescimento do PIB português deste ano, para 6,5%, colocando o país como o que regista a maior expansão segundo as mais recentes previsões macroeconómicas divulgadas (em maio, esperava uma aceleração de 5,8%); mas – cuidado com as precipitações! – Bruxelas está mais pessimista para 2023 e cortou as perspetivas de crescimento do PIB português para 1,9% nesse próximo ano (em maio esperava 2,7%).
Mas há mais na carta: (i) a honestidade intelectual determina-nos a obrigação de salientar que 2022 sucede a 2021 e 2020, anos em que o crescimento económico português foi muito negativo em termos absolutos ou comparativos (queda brutal de 8,4% primeiro e escassa recuperação de 4,9% depois, o que nos colocou nos 24º e 18º lugares do ranking europeu); (ii) a previsão da Comissão Europeu é a mais otimista de todas as atualmente disponíveis (o Banco de Portugal prevê uma expansão de 6,3%, o Fundo Monetário Internacional de 5,8%, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico de 5,4% e o Conselho das Finanças Públicas de 4,8%); (iii) o comportamento do crescimento previsto para 2022 é largamente influenciado, segundo afirma Bruxelas, pelo efeito carry-over e pela continuação da recuperação do turismo, o que não pode deixar de suscitar enormes dúvidas quanto à sua dimensão estrutural e de sustentabilidade, matérias que relevam cada vez mais num país em que as transformações de fundo primam pela quase inexistência e em que os nossos responsáveis políticos continuam a pretender escamotear esse tema através de “números” e proclamações sem jeito nem preceito.
Sem comentários:
Enviar um comentário