segunda-feira, 4 de julho de 2022

DOIS MODELOS, DOIS PARADOXOS

 


(A melhoria da informação sobre a desigualdade da distribuição do rendimento entre diferentes países, simultaneamente com a maior consistência das séries temporais disponíveis, ou seja boas notícias no plano sincrónico e diacrónico, continua a processar-se a um ritmo sustentado. Nesse contexto, a comparação entre os modelos económicos e sociais francês e americano é agora possível com dados mais robustos e recentes. É nesse contexto que falo de dois modelos … e dois paradoxos. Explico-me.)

40 anos de evolução do indicador de desigualdade do rendimento disponível per capita disponível dos Estados Unidos da América e da França mostram-nos uma evolução marcante e inequívoca.

A evolução do indicador de GINI para os EUA mostra-nos sobretudo a partir de 2000 valores que estamos mais habituados a reconhecer em países da América Latina, ultrapassando em muitos anos de observação os 40%, num indicador que varia entre 0 e 100%.

Pelo contrário, na França, depois de uma sensível descida do indicador de GINI, este tende a estabilizar em torno dos 32%, assumindo um pico em 2010-2012 que mesmo assim não chegou a atingir os 35%.

Outros dados seriam necessários para corroborar a diferença de modelos, mas o GINI é neste caso uma boa “proxy” dos modelos económicos e sociais de ambos os países. O modelo francês com maior capacidade de inclusão, enquanto que o modelo americano é claramente gerador de maior desigualdade. Embora não possa dizer-se que as políticas sociais não corrigem desigualdades nos EUA, o modelo americano é mais excludente e sabemos por trabalhos como os de Anne Case e Angus Deaton que isso se traduz em condições de morbilidade mais elevadas que atingem determinados grupos sociais, não apenas negros.

Mas estes dados encerram também dois paradoxos.

O paradoxo francês, com o qual Macron tem tido extrema dificuldade em lidar, tem trazido à rua um enorme descontentamento, apesar dos valores conhecidos do Estado Social em França, um dos mais robustos da União Europeia. Ou seja, ou o modelo francês é insuficientemente inclusivo, apesar da baixa desigualdade, ou então o descontentamento social e político assume dimensões que não podem ser acomodados num simples indicador de desigualdade do rendimento disponível per capita.

O paradoxo americano é de natureza diversa. Num modelo tão cruamente desigual, seria de esperar que posições políticas mais integradoras e inclusivas e com melhor valoração da desigualdade se impusessem com maior facilidade. O que não é verdade. Veja-se a dificuldade dos democratas, dos mais radicais aos mais moderados, em estabelecer um sistema mínimo de proteção social na saúde. O que nos leva também aos mistérios do descontentamento político que não se revê nos modelos mais economicamente redistributivos.

Dois modelos, dois paradoxos.

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