domingo, 31 de julho de 2022

QUERELAS RECESSIVAS …

                                                                            


 
                                        (Peter Mc Coy para o New York Times, link aqui).

(Os macroeconomistas são uns bichos esquisitos e a pretensa cientificidade da ciência macroeconómica é coisa que faz endoidecer qualquer cientista fundamental, seja ele um físico ou um químico, por exemplo. O que aparentemente deveria representar um exercício relativamente fácil de aplicação de critérios e conceitos objetivos é mais complicado do que parece à primeira vista. Assim, já trouxe essa matéria para este blogue mas não há maneira de os macroeconomistas se porem de acordo sobre este simples facto – a economia americana entrou ou não em recessão técnica. Claro que um jornalista qualquer com formação económica de pacotilha, como o nosso pândego José Gomes Ferreira da SIC, me dirá que sim senhor, pois dois trimestres seguidos de queda do PIB é condição suficiente para a sentença ser proferida. Meu caro jornalista, lamento desmenti-lo, mas não é bem assim…e esse é o tema do post de hoje, com a canícula a dar-me cabo dos nervos e a perturbar-me o sono.)

Pois caro jornalista, tenho a dizer-lhe que a questão é mais complexa do que a simples sequência de dois trimestres seguidos de queda do produto interno bruto. Pelos menos nos EUA, a datação oficial de uma recessão é o resultado da decisão de um Comité especial e nessa decisão não é apenas a queda do PIB que conta, mas também um conjunto diversificado de outros indicadores em que o comportamento do emprego e do mercado de trabalho conta e bem.

Estes cuidados e ressalvas não devem ser entendidos como a expressão de que a economia americana não se encontre em abrandamento, seja ele uma redução de ritmos de crescimento (o que chamamos nós uma desaceleração do crescimento), como pode bem o PIB já estar a diminuir em termos absolutos. Refiro esta matéria porque o Banco Central americano (FED USA) sabe bem que para controlar a inflação e impedir o seu entrincheiramento nas expectativas dos agentes económicos a manipulação que vai realizar do aumento das taxas de juro pode precipitar a tal recessão da economia americana. Ou seja, paradoxo dos paradoxos, ironia das ironias, podemos levar nas trombas com esta possibilidade – a economia americana pode entrar em recessão não porque já nela estivesse indiscutivelmente, mas antes por força da política restritiva de taxas de juro que a procura da estabilidade dos preços pode determinar.

Estranha tribo esta a dos macroeconomistas e ficamos perplexos que exista tamanha sofisticação de modelos sem que estas questões básicas estejam resolvidas.

Para complicar a questão, o comportamento da economia americana não é homogéneo consoante seja medido pelo PIB ou pelo Rendimento Interno Bruto, variável segundo a qual a economia americana tem crescido continuamente. E os valores da queda do PIB no 1º trimestre de 2022 relativamente ao último trimestre de 2021 não são lá muito convincentes com variáveis da indústria transformadora a proporcionar informação não homogénea.

Por todas estas razões, só nos resta saudar a declaração do FED-USA segundo a qual o Comité responsável pela política monetária adotará uma posição flexível e atenta a toda a informação que possa fundamentar a abordagem anti-inflacionária. Convém de facto recordar que decisões desta natureza são tomadas com estimativas preliminares do comportamento do produto e de outras variáveis económicas, um bom ano antes de serem publicados os dados definitivos.

Qualquer tirania deve ser combatida. A tirania dos números não foge a essa regra. Por isso, por vezes não se entende tanta sofisticação para tanta insegurança de números.

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