(Fim de semana com concentração familiar de filhos, noras e netos, em momento que não se repete muitas vezes no ano, logo sem grande tempo reflexivo e efetivo para animar este espaço. Mas o Diário de Notícias de hoje, link aqui, chama à colação o Acordo sobre Formação Profissional e Qualificação assinado há um ano na Comissão Permanente de Concertação Social e isso despertou-me a vontade de escrever alguma coisa sobre o assunto. O acordo assinado em 2021 necessita de ser contextualizado à luz de um vazio criado desde o anterior acordo sobre Formação Profissional, assinado ainda no governo de Sócrates, se a memória não me atraiçoa quando o atual Ministro das Finanças Fernando Medina era Secretário de Estado do Emprego. A desvalorização da formação contínua tem sido recorrente e daí a importância política de dar concretização a um acordo assinado em sede de concertação social.)
A questão da formação contínua, seja ela de simples reciclagem, de adaptação à inovação tecnológica ou até de combate às baixas qualificações da nossa população ativa, constitui um daqueles mistérios da política em Portugal, difíceis de compreender. Tanto mais difíceis de compreender quanto mais se instala, e está mesmo instalada, aquela conhecida ladainha das baixas qualificações de trabalhadores e empresários. Ou seja, com um diagnóstico que reúne um dos consensos mais amplos que se conhecem no país, custa a compreender a razão da formação contínua de ativos estar sujeita a longos períodos de desvalorização.
Tenho dedicado alguma atenção profissional à matéria, tenho escrito sobre isso amplamente sobretudo em trabalhos de avaliação mas também em alguns eventos organizados pelo associativismo empresarial e é nessa linha que quero construir o post de hoje.
O acordo de formação celebrado ainda em governo de Sócrates constituiu uma importante realização, já que criou legalmente a necessidade de tempos obrigatórios de formação contínua a proporcionar pelas empresas aos seus quadros e trabalhadores. Por razões que se prendem essencialmente com uma baixa valoração da formação como investimento passível de retorno como qualquer outro investimento por parte das empresas, com um sistema claramente dominado pela oferta que é rígida e pouco propensa a grandes mudanças, por inexistência de mecanismos de antecipação e registo de procura e também pela conhecida dificuldade do tecido de PME se entregar voluntariamente a processos de formação esse primeiro acordo foi lentamente desvalorizado e esquecido. O período de programação plurianual 2014-2020 de Fundos Europeus concedeu inequivocamente prioridade à formação/qualificação de jovens, desvalorizou a formação de adultos fora do contexto de situações de desemprego e reduziu substancialmente a alocação de fundos à formação contínua de ativos.
Estas guinadas de alinhamento de prioridades não são saudáveis para nenhum país e num país que ainda há bem pouco tempo clamava pela baixa qualificação de jovens e também dos ativos empregados, qualquer prioridade extremada teria de ser forçosamente reequilibrada depois de algum tempo. Assim foi. O PT 2020 (2014-2020) apostou os ovos todos na qualificação inicial de jovens, com o Fundo Social Europeu (FSE) a cobrir praticamente toda a formação profissionalizante (Cursos Profissionais e TeSP). O PT2030 foi anunciado com a promessa de reequilibrar esta questão, não abandonando a prioridade da qualificação inicial de jovens que depende em absoluto, na vertente profissionalizante, dos Fundos Europeus, mas dedicando mais recursos à formação de adultos e, espera-se, olhando a formação contínua com mais atenção. O objetivo de 60% dos adultos em formação está no horizonte e só isso implica uma reviravolta das antigas, já que o Acordo de Parceria situa essa percentagem apenas nos 10%.
Estimo que a política governamental vá dedicar mais recursos à formação de adultos, designadamente aquela que complete para os trabalhadores percursos de qualificação, seja o 9º ano, seja mais ambiciosamente o 12º ano. É compreensível e restabelece o equilíbrio que anteriormente referi.
Permanece o mistério da formação contínua de ativos, designadamente para acompanhar a transformação digital. Por vezes, dá a impressão (péssima) que a política governamental pensa que as empresas mais apetrechadas e de maior dimensão resolvem endogenamente as necessidades de formação, não necessitando por isso de apoios à formação e que o tecido de PME enfrenta um problema não resolúvel. Os anos de ouro da formação-ação parecem ter sido esquecidos, o que embora ressalvando alguns localismos associativos que capturaram esses processos, constitui uma má avaliação das muito boas práticas identificadas no terreno.
Tenho para mim que organizar o universo da formação contínua a partir da oferta rígida que temos, imaginando que essa oferta será capaz de antecipar necessidades de formação e relacionar-se diretamente com o tecido de PME, é uma opção condenada ao fracasso. O sistema de formação contínua precisa de entidades que façam a intermediação com as empresas, sobretudo de entidades com proximidade de relação tecnológica com essas empresas. Só uma conceção sistémica desta natureza permitirá vencer as limitações de um sistema claramente dominando pela oferta e em que a procura não tem uma formação espontânea.
Veremos que tendências iremos ter e se o novo Acordo sobre Formação Profissional e Qualificação cumpre a expectativa com que foi assinado.
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