quinta-feira, 7 de julho de 2022

NOVOS TEMPOS?

 

(As Universidades e Politécnicos portugueses, principalmente os estudantes e respetivas associações representativas, parecem despertar de uma longa letargia em matéria de sensibilidade mais aguda a problemas do nosso tempo mais recente. Questões de racismo, xenofobia, homofobia e outras formas de intransigência relativamente à diferença, assédio de diferentes tipos, manifestações de claro abuso de poder começam a surgir na comunicação social e por isso vale a pena acompanhar este movimento e ir avaliando como é que as autoridades universitárias e judiciais vão lidando com estas matérias. Entretanto, dado o enorme gap temporal com que estas tendências nos entram pela porta dentro relativamente a outros países, designadamente os EUA, tenho seguido o que vai acontecendo pelas universidades americanas e devo confessar que me sinto pouco tranquilo em relação a algumas manifestações de radicalismo. A acreditar no já referido gap temporal, ainda mais atentos devemos estar quanto à manifestação tardia destes fenómenos e processos nas universidades e politécnicos portugueses.)

O poder universitário é daqueles poderes não democraticamente escrutinados que, para ser controlado e regulado, exige das instituições e dos coletivos que as povoam uma cultura de transparência e “accountability” de elevado padrão, sob pena de singrarem comportamentos da mais pura discriminação entre docentes e entre estes e a população estudantil. Nos últimos tempos, particularmente atento, pour cause, ao que se passa na Universidade do Porto, vários casos têm sido comunicados, sugerindo que possa estar-se a entrar num período de maior consciência coletiva de estudantes e seus representantes associativos. O badalado caso da Faculdade de Economia do Porto só peca tardiamente pela suspensão realizada, pois já no meu tempo, antes de 2010, o comportamento do colega ultrapassava tudo o que o simples bom senso recomendaria, com manifestações indesculpáveis da mais pura boçalidade, arbítrio, loucura não mansa e desrespeito feroz pela população feminina, hoje mais numerosa e claramente com um índice de aproveitamento e maturidade sem qualquer comparação com o sexo oposto. Vários colegas denunciaram essa situação e finalmente o basta apareceu. Mas outros casos têm surgido, não apenas na Universidade do Porto, com o mais recente incidente na Universidade de Aveiro com a homofobia expressa nas redes sociais (ai as redes!) e também na Faculdade de Direito de Lisboa com aquele parvalhão do docente que enviava pela madrugada e-mails às suas alunas. Vidas infelizes, casos de patologia mental agravada, vá lá saber-se que mais estará escondido elo recato dos corredores e gabinetes.

O que me interessa neste mundo dos poderes não escrutinados, para além de reforçar o meu apreço pelo mundo da classe política que tem uma exposição e escrutínio a que outros corpos influentes da sociedade portuguesa deveriam estar submetidos, é a questão de saber se ficaremos imunes a derivas de radicalismo que essa consciencialização dos campus está a determinar nos EUA ou se, pelo contrário, com o conhecido gap temporal essa deriva radical acabará por cá chegar.

Fiquei sensibilizado para esta questão com a continuada leitura do New York Times e da New Yorker sobre esta matéria e, mais recentemente, com um texto de um Professor de Antropologia da Universidade da Califórnia (UCLA), Joseph H. Manson que, sugestivamente, se chama “Why I’m leaving the University” (link aqui).

O texto usa repetidas vezes o termo WOKE como expressão de um movimento instalado nos campus das universidades americanas relativa à perceção e consciência das questões relativas à justiça social e racial. Manson descreve o departamento de Antropologia da UCLA como um caso relativamente único, pelo menos até ao início da década de 2000, de coesão pacífica e inclusiva de diferentes correntes da Antropologia que não deram origem, como noutras Universidades, à multiplicação de departamentos. O texto descreve a mudança significativa observada a partir de 2000, em que diversos organismos representativos dos estudantes mais radicais e esquerdistas colocaram sob vigilância alguns professores liberais-democratas que ousaram emitir algum juízo crítico sobre o radicalismo do movimento. Situações de marginalização e perseguição, algumas das quais transformadas depois em processos de despedimento, sucederam-se a um ritmo impressionante, com extensões para domínios do mais estrito foro pedagógico, como por exemplo a anulação de testes-padrão, sugerindo na perspetiva de Manson que o Departamento começa a ser capturado pelo movimento WOKE.

A semente do radicalismo quando assume perspetivas de captura dos campus constitui uma enorme perturbação do espírito livre e de debate que deve caracterizar o ambiente universitário. Se, por exemplo, na área da Economia, sou o primeiro a denunciar a perturbante ausência de espírito crítico do mainstream que se instalou durante largo tempo, também estarei na linha da frente para denunciar as derivas do radicalismo impeditivo do livre pensamento. Outra coisa bem diferente será banir da Universidade gente incapaz de compreender o espírito de tolerância e abertura de espírito e de ideias. A Universidade não tem de ser o espaço de acolhimento dos incapazes de manter um convívio saudável e de todas as formas aberrantes de comportamento social. Por agora, a comunidade estudantil parece começar a ficar desperta para denunciar estas últimas situações e os casos que têm aparecido na comunicação social devem ser analisados segundo essa perspetiva. Para já não existem sinais de que os movimentos WOKE possam proliferar a curto prazo.

Estar avisado do gap temporal com que estas tendências nos chegam ajudará a intersetar a sua génese e desenvolvimento. De mal o menos.

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