terça-feira, 5 de julho de 2022

O CHOCANTE FIM DE UMA ERA GERMÂNICA

Os jornais da especialidade comentam hoje de modo bastante saliente o simbólico fim de uma era, aquela em que, durante quase três décadas, a economia alemã registou incessantemente excedentes na sua balança comercial. O nosso conhecido Wolfgang Münchau regista-o também na sua newsletter diária do seguinte e impressivo modo: “Ainda nos lembramos da primeira queda do gráfico acima, quando o excedente comercial quase desapareceu. O país concluiu então, no início dos anos 2000, que um equilíbrio entre importações e exportações constituía uma crise existencial e que algo drástico tinha que ser feito para restaurar os excedentes habituais. Este foi o início das reformas económicas do governo Schröder, cujo principal impacto subsequente pode ser lido no gráfico: elevou os excedentes a níveis nunca antes vistos. O que o gráfico não diz é que esses excedentes, em combinação com a black zero fiscal rule, foram a principal causa dos desequilíbrios económicos da Zona Euro.”

 

De facto, a crise em presença revelou à saciedade a extrema vulnerabilidade da economia alemã às disrupções das cadeias de abastecimento global (das quais tanto beneficiara durante anos e anos consecutivos, com os elementos coadjuvantes de uma desvalorização cambial real e de reformas significativas no mercado de trabalho), ademais com a conhecida agravante energética a manifestar-se de modo tremendo; e mesmo que possam esperar-se alterações para melhor relativamente à atual situação alemã, elas traduzir-se-ão necessariamente em regresso a excedentes de muito menor monta, acompanhados pelo surgimento de marcantes défices públicos em resultado do peso da questão energética e das novas opções em matéria de segurança e defesa ― como escreve Münchau, “ o saldo líquido das mudanças combinadas na política e na indústria é uma dis-saving macroeconómica”; sendo que o que está realmente em causa é a evidência de que o chamado “sucesso económico da Alemanha” assentava em bases sólidas, o que Münchau contesta ao referir-se à profunda iliteracia que reinou em matéria de conceitos económicos fundamentais, ao engano de acreditar sem mais em posicionamentos cimeiros nas chamadas global league tables e à errada crença na inalterada viabilidade de um modelo económico apostado em exportações de média tecnologia. Em qualquer caso, e se não nos deixarmos distrair em demasia, o assunto aqui levantado é relevantíssimo para uma adequada equacionação daquilo que o futuro europeu nos poderá estar em vias de reservar.

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