quinta-feira, 14 de julho de 2022

O QUEBRA-CABEÇAS DOS DADOS MACROECONÓMICOS

                                                                             

                                             (Evolução recente do salário médio horário nos EUA)

(O acompanhamento macroeconómico da América está hoje ao rubro e isso não interessa apenas aos americanos, mas também aos Europeus e a todo o mundo. Perguntam-me obviamente quais as razões que justificam este interesse. Razões tradicionais existem e isso deve-se essencialmente ao facto da economia americana ser, regra geral, o farol da política macroeconómica, ou seja, o que faz o Banco da Reserva Federal tende a influenciar o que farão os restantes bancos centrais, ainda que estes possam não ter o mesmo estatuto e missão. Mas há razões novas. Os analistas políticos consideram que as próximas eleições intercalares e as futuras Presidenciais vão ser fortemente marcadas pela situação macroeconómica e pelo modo como os americanos, mal ou bem informados, irão percecionar essa situação. Porém, os tempos são de surpresas e fortes. Os dados macroeconómicos da economia americana transformaram-se num puzzle difícil de resolver, tamanhas são as contradições de comportamento que se observam entre eles. Isso também é um indicador de que as economias não vivem tempos normais. Atento como sempre, Paul Krugman dedica-lhe uma crónica que considero fascinante que até mete uma lenda sobre Darwin. Krugman chama-lhe a economia humbug(link aqui). Traduza, por favor, quem disso for capaz.)

As contradições são várias e por isso o puzzle é muito sugestivo. Acontece que tudo isto se passa no coração de um debate sobre o comportamento do FED relativamente ao combate à inflação, o que adensa a controvérsia. Depois de ter sido acusado de complacência excessiva com os riscos da inflação e de excessiva bondade na previsão de uma aterragem suave da economia americana sem recessão (críticas em que se destacou Lawrence Summers), existe agora o risco da economia americana já ter atingido um pico inflacionário e, nesse sentido, a política macroeconómica restritiva de subida de taxas de juro poder precipitar, desnecessariamente, a indesejada recessão (link aqui).

Um dos comportamentos bizarros consiste na relação entre a criação de emprego e a evolução do produto da economia americana.

Peter McCoy salienta no New York Times (link aqui) que, no mês de junho passado, a economia americana criou 372.000 novos empregos, o que não é propriamente um indicador de uma economia em recessão. Porém, o comportamento do produto esteve longe de corresponder a essa criação de emprego. O PIB americano terá diminuído no primeiro trimestre de 2022 a uma taxa anualizada de 1,6% e estima-se que no segundo trimestre irá diminuir a uma taxa anualizada de 1,2%. O mistério não o é, já que o que se tem passado é uma queda de produtividade do trabalho. Estima-se que os ganhos de transformação digital associadas à resposta pandémica já ter-se-ão esgotado e, para além disso, estarão a reingressar no mercado de trabalho os trabalhadores de mais baixos salários, regra geral associados a baixas produtividades. Krugman refere, pertinentemente, que o comportamento da taxa salarial está em queda, medida pela variação do salário médio horário (ver gráfico que abre este post). Ora, o comportamento da taxa salarial revelado pelo gráfico é de todo incompatível com a ideia de que o mercado de trabalho americano está em situação de tensão total ou em sobreaquecimento, o que agravaria a questão inflacionária. Com este comportamento do salário médio horário o risco da inflação se enraizar numa relação salários-preços é baixo, senão inexistente.

Para complicar a questão, o comportamento do produto não parece revelar um padrão coerente segundo os diferentes critérios de medida. Assim, o chamado Rendimento Bruto Interno, incluindo a variação de stocks, não apresenta o comportamento recessivo registado pelo PIB.

Os dados macroeconómicos parecem querer transformar-se em quebras-cabeças para a política macroeconómica. Neste contexto de inconsistência de comportamentos dos dados, abre-se um espaço adicional para a conflitualidade de interpretações e de propostas de intervenção. Essa conflitualidade já existe quando os dados estão calmos e consistentes. Por maioria de razão, quando os padrões são de inconsistência, a conflitualidade é reforçada. Usando a gíria da política monetária, pombas e falcões têm à sua disposição um campo fértil de disputa. Krugman entra nesse debate, sugerindo que a possibilidade de uma aterragem suave como resultado do combate à inflação parece corresponder ao que os dados nos oferecem. O que equivaleria ao melhor resultado possível e de certo modo daria razão ao timing de intervenção do FED. O que seria vantajoso para a economia mundial e também para a Presidência de Biden, a braços com problemas sérios de convencimento da população americana.

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