quarta-feira, 20 de julho de 2022

NOS AÇORES – A GROTTA ARQUIPÉLAGO DE ESCRITORES …

                                                                                 


(Este vosso Amigo pela-se por trabalhar nas regiões autónomas, as Autonomias como lhe chamámos, e desta vez coube na sorte Ponta Delgada, ilha de S. Miguel, Açores, e como foi frutificante retomar uma prática que a pandemia interrompera, presencial e fisicamente, embora com continuidade de trabalho a nível de plataformas à distância. A Grotta – Arquipélago de Escritores é uma revista notável, com edição anual, o nº 5 vem datada de 2021-2022, lançada pela editora Letras Lavadas, que tem também no centro de Ponta Delgada, ao pé das Portas da Cidade, uma aprazível livraria e como eu aprecio as cidades com livrarias com este tipo de atmosferas e veiculadoras da cultura local, neste caso da cultura insular, algo a que o Continente intelectual não tem prestado a devida atenção …)

A revista de edição muito cuidada, sem perder um lado artesanal que cativa, encarrega-se de explicar na sua página introdutória o que é a grota ou “grotta” que é o mesmo que cripta em italiano:

A grota é a fonte, o início, o começo de algo líquido mas intempestivo – que tudo arrasta vertentes abaixo. Desagua em ribeira-mãe ou vai até ao próprio mar. As grotas existem em todas as ilhas e tomaram os nomes mais estranhos, conforme o juso, o destino, os donos, as famílias das terras, os eventos – Grota do Medo, Grota das Mulheres (da má vida…), Grota das Cabras (onde muitas morriam), Grota dos Burros, Grota dos Cavalos, Grota do Despe-te que Suas (no Nordeste, morosa de subir), Grota Funda (no Faial, muito mais rasgada ao alto), Grota do Cu-de-Judas (longínqua como o caneco e que desagua em ribeira do mesmo epíteto, em São Miguel), etc. Há centenas de grotas. Todas de atravessar perigoso mas extasiante. Mas todas são o iniciar de rituais de água, límpida ou colorida, frias a geladas, vulcão baixo; são como que as veias superficiais e tortuosas que oxigenam a nossa paisagem”.

Enquanto tomava um copo na marginal de Ponta Delgada num fim de tarde quente e húmido quanto bastasse deu para ler na íntegra uma longa entrevista que a revista realizou com um dos mais estimulantes intelectuais Açorianos, Álamo Oliveira, designado pela revista como o Inquietador de Almas. Nunca li qualquer romance do autor açoriano, embora tenha lido em revista do tipo da Grotta algumas peças isoladas. E pelo que intuí da entrevista e dessas peças isoladas, o escritor Açoriano representa e é um exemplo do que eu considero um verdadeiro milagre de resiliência às condições difíceis da fragmentação territorial e da característica de arquipélago longínquo que os Açores representam. Tenho a maior admiração por essa resiliência cultural, tendo-me empenhado em tentar compreender a cultura insular.

Não vou hoje desenvolver esse ponto. A entrevista vale sobretudo pela descrição de um caminho desde uma pequena freguesia rural da Terceira, Raminho, até à sua faceta atual.

Para a matéria que me interessava sobretudo desenvolver no post de hoje, quero destacar dois pontos.

O primeiro é uma das descrições mais brutais na sua simplicidade do colonialismo português que Álamo Oliveira vai buscar à sua experiência de serviço militar na Guiné, proferida por um rapaz de 14 anos: “Vocês levam-nos os macacos mas deixam cá ficar os filhos”.

O segundo é a sua visão do “boom” turístico na Região: “ (…) Muito se fala agora neste milagre do turismo. Quero ver se ainda escrevo pelo menos um conto sobre esse milagre porque vai ser exatamente como o ciclo da vaca: vai chegar uma altura em que nem vaca, nem pasto, nem tratador. E o que vai acontecer é um boom turístico durante dois ou três anos, em que, no fim, vamos ficar parecidos com os outros lugares. Há uma coisa que toda a gente ignora. Houve um estudo feito sobre o turismo, encomendado pelo governo regional, que custou um balúrdio. Nesse estudo dizia-se que os Açores não podiam ter turismo de massas nem hotéis grandes. “

Pelo que tenho deixado transparecer noutros posts, não sou propriamente um fanático vigilante da turistificação, sobretudo porque quem gosta de viajar não tem moral para se armar em guardião controlador dos fluxos turísticos. Mas os Açores são uma Região com um capital natural de biodiversidade notável que, pessoalmente, não gostaria de ver delapidado por depredadores da simples ganância lucrativa. A Região não tem neste momento em vigor qualquer Plano de enquadramento, regulação e ordenamento da fúria de investimentos turísticos que se avizinha, a partir do momento em que as low cost descobriram a Região.

Nesta missão de trabalho de dois dias em Ponta Delgada pude confirmar que a taxa de ocupação para estes dois dias do Booking.com era superior a 95% e que me vi aflito para descobrir alojamento a preços compatíveis com as regras sensatas de alojamento seguidas pela Quaternaire. Resultado, tive de ficar em dois hotéis diferentes nas duas noites. No jantar de ontem para celebrar a hospitalidade da Carla Melo, Açoriana da Simbiente que trabalha connosco as questões da Avaliação Ambiental Estratégica do Programa Açores 2030, só à nona tentativa de reserva fomos bem-sucedidos e lá teve que ser para o carote no Azores hotel. Hoje em jantar solitário e bem cedo só também à terceira ou quarta tentativa é que consegui lugar para jantar. E hoje ao pequeno-almoço, dada a dimensão do Neat Avenida Hotel tive de me conformar com o horário das sete e trinta, tudo o resto estava cheio até às 10.00.

Sem querer ser deselegante e, repito, sem grande propensão para vigilante ativista destas questões, apetece-me dizer: “Fuck the tourism”.

Fiquem bem.

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