domingo, 3 de julho de 2022

DESTES DIAS QUE ABALARAM O NOSSO PEQUENO MUNDO

(cartoon de André Carrilho, http://www.dn.pt

Recorro aos títulos e às “gordas” dos artigos de opinião publicados pelo “Público” nestes três primeiros dias de julho para ilustrar a dimensão do terramoto político por cá ocorrido e a extensão da perplexidade (largamente crítica na maior parte dos casos) que dele ressaltou. As afirmações― Governo de ministros irrevogáveis, Governo que faz oposição a si mesmo, incompetência e desfaçatez, ex-futuro novo animal feroz, subsídios para a interpretação da cabeça de Pedro Nuno Santos ― e as interrogações ― Pedro Nuno queria sair do Governo? E quantas humilhações consegue ele suportar? E o que fica do pedro-nunismo? ― falam por si sem que haja, portanto, grande necessidade de muito mais considerações.

 

Ainda assim, recorro a um assomo da velha lucidez de António Barreto, que daqui quero saudar, para sintetizar o pior que o facto encerra. Assim escreve em “Desperdícios”, primeiro e a abrir (“Os governantes pareciam ter tudo o que era necessário para vencer. Uma maioria parlamentar obtida com mérito, esforço, a sorte dos deuses e a fraqueza dos adversários. Um Presidente da República desejoso de colaborar. Capacidade para escolher os melhores ministros e outros dirigentes. Uma liberdade de movimentos rara na vida política. Uma coesão partidária pouco frequente, quanto mais não fosse por necessidade. O afastamento definitivo de Sócrates e a reabilitação ou branqueamento de todos os seus mais íntimos colaboradores. Uma oposição de direita insuficiente, trapalhona e dividida. Uma oposição de esquerda agonizante, sem escrúpulos, ácida e em vias de extinção. Uma sociedade civil fraca, expectante, pronta a colaborar e à espera de receber benefícios. Uma população cansada de dois anos de pandemia e, por isso mesmo, disposta a recomeçar a viver. Prestígio nos círculos europeus e internacionais. Fundos europeus em montantes nunca vistos e que nunca mais se voltará a ver. Sinais evidentes de retoma do turismo, setor absolutamente indispensável para a economia nacional.”), depois e a fechar (“Um ministro decidiu exibir poder e ambição, vontade de marcar a história e capacidade de decisão. Mas faltava-lhe tudo, ciência e sabedoria, experiência e isenção, competência e certeza. Ao abusar do seu poder, enfraqueceu o Estado português, menos capaz hoje de tomar a decisão acertada, sem ficar dependente de grupos e de interesses. O que parece ser um gesto estouvado de um ministro presunçoso acaba por revelar toda a amplitude de um Governo menor e de um Estado fraco.”)

 

Agora, há que virar a página e seguir em frente, disse António Costa por estas ou outras e semelhantes palavras (com a sua sempre oportuna ministra da Coesão Territorial a manter o foco na porcaria, num risível misto de compaixão altruísta, falta de jeito e vontade indomável de ser parte). Mas, interroga-se certamente quem ouve o primeiro-ministro com a devida atenção e preocupação, seguimos rumo a quê? Porque, em bom rigor, that is the question!

(Cristina Sampaio, http://expresso.sapo.pt)


(a partir de Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

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