(Começo pela explicitação da minha posição relativa ao Cristiano Ronaldo. Acho que ele é um atleta excecional, com uma força de vontade e profissionalismo que deveriam inspirar os jovens portugueses. Sempre admiti que ele pudesse prolongar a sua carreira muito para além dos padrões normais para atletas da sua envergadura física e desportiva. Reconheço também que a seleção portuguesa muito lhe deve. Mas devo dizer que nunca nutri uma empatia natural com o personagem Cristiano. Podem dizer-me que integro aquele vasto grupo de pessoas que no país reage mal à ambição, aqui e ali polvilhada com pitadas de arrogância e que se todos partilhássemos alguns traços do subir a pulso de Cristiano talvez o país estivesse bem melhor do que está e estará no futuro próximo. Até posso compreender essa acusação velada, com a qual não me identifico. Mas não há dúvida que não consigo desenvolver a minha empatia com a personalidade e muito receio que as razões que estão na base dessa minha incapacidade irão explicar também os dissabores desta fase crítica da carreira do CR7 e não estou necessariamente a admitir que ela tenha acabado.)
Se pensarmos nas exceções que alguns jogos do Manchester United representaram para a continuidade da afirmação do CR7 e se remontarmos às prestações da Juventus nos últimos anos de permanência do atleta na Velha Senhora do futebol italiano, não é difícil compreender as suas dificuldades de integração neste tipo de equipas, sejam elas equipas de Champions, ou simplesmente estagiando para lá chegar. As questões não se colocaram ainda ao mesmo nível na seleção portuguesa sobretudo porque o seu ascendente em relação aos colegas ainda persiste dada a valia dos contributos no passado e as vedetas que poderiam ensombrar esse ascendente têm um modo de estar (Bernardo Silva, por exemplo) que nunca seriam parte do problema.
À medida que a biologia cumpre o seu papel (e não consta que, apesar do profissionalismo do treino, Cristiano tenha encontrado o elixir do rejuvenescimento permanente) vai ser cada vez mais difícil o ego do jogador compatibilizar-se com outras formas de estar nas equipas de topo. Ou seja, a adaptação a uma atitude de servir a equipa e não dela se ajustar à sua maneira de jogar será cada vez mais problemática e nem todos os treinadores terão a paciência eclesiástica do Fernando Santos. Este parece-me ser o problema central do CR7. Foi inexcedível na criação de condições físicas e de treino para adiar o mais possível o efeito da biologia. Mas provavelmente não terá preparado a adaptação da sua própria personalidade ao novo contexto que vai encontrar em qualquer equipa de topo, esteja a ela afetivamente ligado como ao ManUnited ou nela caia do céu sem qualquer proximidade mas apenas para prolongar carreira.
Estou certo que o CR7 teve as ajudas necessárias e competentes para preparar a sua vida pós-futebol ou pelo menos pós-competição. Nunca, e bem, veremos o Cristiano a jogar num Beira-Mar qualquer (sem ofensa para os aveirenses) como o Eusébio o fez para equilibrar poupanças prematuramente desperdiçadas. Mas este período que não se compreende bem a que racional corresponde não irá seguramente fazer bem ao ego do CR7. E uma de duas, ou precipita a adaptação de personalidade que já deveria ter começado a fazer com reflexos na sua postura dentro do jogo da equipa, ou então poderá ser traumática.
Estou certo que recusas de massas associativas, como é o caso do movimento que surgiu no Atlético de Madrid, também explicável pela rivalidade bélica madrilena entre os dois emblemas, opondo-se a uma possível contratação, mesmo que por empréstimo, produzirão mais danos no atleta do que ficar no banco ou ser substituído, qualquer que seja a equipa em que isso aconteça.
E, por isso, defendo que a sociedade portuguesa, ou pelo menos a parte dela que rejubila com estas manifestações de reivindicação dos “melhores do mundo”, deve começar a fazer o seu próprio desmame, para mitigar a perda coletiva e inconsolável de vermos o CR 7 afastado dos rankings da proeminência desportiva.
Quem avisa …
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