segunda-feira, 11 de julho de 2022

DURO E CRU, COMO CONVÉM

                                                                             


(Já há algum tempo que o cronista Wolfgang Münchau não aparecia referido ou comentado neste espaço e isso deve-se a ter deixado de assinar a sua crónica semanal no Financial Times, para apenas escrever nas publicações da sua empresa, www.eurointelligence.com. Mas, por vezes, é necessário recorrer a alguém que emita juízos curtos e grossos, como é o caso da referência de hoje. Pena é que não o tenha feito nas páginas do Financial Times, pois teria outra amplitude de repercussões.)

Em meu entender, a rocambolesca e algo patética saída de cena de Boris Johnson tem um significado e uma amplitude de razões que transcendem em muito os problemas pessoais e o estilo do excêntrico ex-primeiro ministro britânico.

A crueza da avaliação realizada por Münchau vai nesse sentido e por isso aprecio a companhia (link aqui):

A tragédia de Johnson é que não tinha nenhuma ideia acerca do que fazer com o BREXIT, como tão pouco nenhum dos conservadores que aspiram à sucessão, nem sequer o líder trabalhista da oposição. Por isso, não é um mau momento para deixar a semente de uma reversão.”

Duro e cru como convém nestas coisas.

Assim, para lá das múltiplas peripécias e jogos de poder que irão acontecer até ao fim do verão na escolha parlamentar do sucessor de Johnson, sempre com a possibilidade de eleições antecipadas no horizonte, a questão crucial sobre a qual vale a pena refletir é como se tornou possível nas condições políticas atuais a formação da ideia vitoriosa de que o essencial do BREXIT era concretizar com pompa e circunstância o momento da saída. Münchau tem carradas de razão quando assinala que a ilusão de que tudo estaria ganho com a saída está neste momento a dar de caras com a perceção de que o fundamental do BREXIT é antes o de conseguir que funcione.

Talvez Münchau tenha razão quando, em modo mais audaz, avança com a interpretação de que a campanha contra Johnson foi afinal sobre o BREXIT. E até chama à colação a célebre frase de Michel Heseltine, um dos defensores mais proeminentes de um segundo referendo, “Saindo Boris, vai-se o BREXIT”.

Não tenho tanta certeza disso. Parece-me mais que a sociedade britânica, que continua dividida entre o cosmopolitismo de Londres e a velha Britânia, vai mergulhar naquela estranha sensação de que “fizemos asneira” mas que a sua consciência de um povo à parte os vai impedir de dar o passo para uma reversão dessa decisão.

Assistiremos nos próximos tempos a uma sucessão infernal de propostas, modalidades e caminhos para baixar impostos como última e derradeira tentativa de que é possível atenuar a degradação das condições de vida da população do Reino Unido, presa entre a pressão da inflação e a das múltiplas inadaptações ao BREXIT. Ou me engano muito ou não irá aparecer ninguém a discutir o essencial: “how to fix it (the Brexit)?”.

E este é que é o ponto que vale a pena discutir. Decisões plenamente legítimas e democráticas que se tomam, vitoriosas, sem uma ideia precisa das transformações que é necessário lançar para concretizar essa decisão legítima e vitoriosa, acabam por se traduzir em ameaças ao funcionamento das suas próprias instituições.

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