domingo, 3 de julho de 2022

MONTENEGRO

(Não, não se trata de um projeto de férias para um território eternamente adiado em termos do meu turismo já residual. É da sucessão no PSD que quero falar, da pindérica saída de Rui Rio, um homem que pelas suas intenções talvez merecesse melhor, mas de boas intenções estão os infernos cheios. A capacidade do PSD, já não de regressar às suas origens como defende Pacheco Pereira, mas antes a de ser uma alternativa democrática consequente para a governação em Portugal, interessa-me e deveria interessar a todos os democratas em Portugal. Só a consolidação do PSD viabilizará a perigosa fragmentação da direita minimamente decente. Tal como noutros inúmeros processos de sucessão política em Portugal, gostaria que fosse mais o estilo de Jorge Moreira da Silva a dirigir os destinos dos sociais-democratas que o de Montenegro. Mas a política das bases e dos aparelhos está quase sempre de costas voltas para os pruridos e ilusões de intelectuais como eu, são outras forças e capacidades que orientam tais decisões e, tal como noutras situações, a resignação vem sempre a seguir).

Confesso que não consigo libertar-me da memória de múltiplas intervenções parlamentares de Luís Montenegro naquele demasiado longo período em que o PSD de Passos Coelhos, que vencera eleições após a crise das dívidas soberanas, e esse mistério nunca chegou a ser devidamente explicado no plano político (cheira-me que a figura de Sócrates teve um forte peso nessa explicação), demorou uma eternidade a compreender que as maiorias parlamentares também contam e podem suportar uma governação. Nesse período, os decibéis de Montenegro sobrepuseram-se a qualquer robustez de ideias, num estilo gingão de retórica parlamentar que tem o condão de me irritar até à medula e que para minha própria defesa costumo olimpicamente ignorar.

Mas tenho de reconhecer que o nortenho Montenegro (mais uma tentativa de colocar alguém cá de cima na governação, veremos o que vai dar) porfiou, foi à luta, soube esconder-se no momento certo, deixou que Rangel expusesse o peito às balas e venceu na altura certa o homem da OCDE Jorge Moreira da Silva.

O novo líder do PSD começa o seu consulado com a perceção por parte da opinião pública e da comunicação social em particular de que tem uma via estreita e cheia de escolhos para tentar repor o PSD no seu capital eleitoral habitual. Esse esvaziamento de expectativas é-lhe favorável do ponto de vista da medida da sua capacidade de impulsionar o partido para uma caminhada de crescimento, mas enfrenta o reverso da medalha de que um esvaziamento de expectativas baixa o ânimo das tropas militantes e simpatizantes. A escolha do macroeconomista Joaquim Sarmento para líder parlamentar em substituição de Mota Pinto parece querer significar que o novo PSD vai bater forte nas inconsistências económicas da governação PS e isso pode dar finalmente ao Parlamento um perfil de intervenções que estão em quebra já há muito tempo. Outros economistas estão já em bicos de pés para se chegar à frente da contestação, com o Professor da Universidade do Minho Fernando Alexandre à frente das tropas, pronto a corrigir a sua precipitada opção por Rangel em detrimento de Rio. Já teve experiência governativa nos tempos de Passos e aguarda maduro uma nova oportunidade.

Destes dias de Congresso e respetivos antecedentes, percebe-se que Montenegro fez um esforço notável de congregação de forças e tendências. Para além obviamente de reabilitar o legado do Passismo, que o recato do próprio Passos tende a arrefecer, cuja reabilitação se espera que seja concretizada em função dos desafios e das propostas futuras para o País e não em função do tempo apropriado pela geringonça, o esforço de não deixar nenhuma tendência para trás foi enorme.

Pode dizer-se que os trabalhos que se colocam ao PSD de Montenegro são ciclópicos, sem querer gastar prematuramente a palavra. Mas há uma variável que pode atenuar a magnitude desses desafios. Ninguém é capaz de antecipar se a tendência para o suicídio político de certas forças do PS em ambiente de maioria absoluta vai ter novos picos a necessitar de tratamento e terapia adequados ou se, pelo contrário, a grande mascarada do evento político do aeroporto deixou marcas de aprendizagem. É que, de facto, que melhor contexto poderia Montenegro esperar do que uma trapalhada das antigas à moda do PS de outros tempos que, embrulhada conjuntamente com a deriva anunciada da TAP (que contexto pior e mais negro poderia ter sido cenarizado para pensar a recuperação da companhia de bandeira?), vai seguramente devolver o peso político do PSD nas decisões políticas anunciadas?

Resumindo, Montenegro não começa mal. Estou curioso em saber se o relativamente curto caminho das pedras até à sua chegada à liderança do PSD lhe imprimiu ou não alguma “gravitas”. Manter o equilíbrio das tendências sem perder a tensão do cheiro do poder no contexto de uma maioria absoluta não é tarefa para todos. A tensão olfativa do poder é afinal o principal cimento e o principal antídoto para o modelo saco de gatos. Para já o grupo parlamentar tem de ser mobilizado para essa tarefa e talvez por isso a congregação de tendências conseguida por Montenegro foi a imagem de marca deste Congresso.

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