Este será um dos mistérios insondáveis da minha vida que
caminha aceleradamente para os setenta. Na minha passagem intelectual pela
economia do sub/desenvolvimento, o Brasil esteve sempre no centro das minhas
leituras e pesquisa, Fernando Henriques Cardoso é um dos patronos deste blogue,
apresentei no Porto uma obra póstuma do grande e irredutível Celso Furtado (de
que tive o prazer de assistir a uma aula em Paris) a convite da sua viúva Rosa
Aguiar Furtado e do saudoso Kiko Neves. Mas nunca a vida se proporcionou para
uma viagem ao tropicalismo brasileiro e, nas raras intercontinentais que
realizei, os Estados Unidos ganharam a primazia.
Por isso, falar e escrever sobre a turbulência brasileira
ou sobre o Brasil em geral causa-me sempre um incómodo ambivalente. A realidade
distante é sempre mais complexa do que a veiculada pela informação a que vamos
acedendo.
Perdi na memória a graça de alguém que me dizia que o
General De Gaulle era, pelo menos entre certa elite brasileira, uma personagem
proscrita porque teria tido o topete de um dia dizer que o Brasil era um país
eternamente adiado, uma eterna esperança que nunca seria uma certeza concreta.
Os tempos têm-se encarregado de transformar De Gaulle em oráculo bem-sucedido.
José Manuel Fernandes tem hoje no Observador (como este
blogue está aberto à informação!) uma excelente peça que nos transporta para
vários textos que nos ajudam a interpretar a turbulência de um domingo (o de
amanhã), em que o Brasil virá para a rua, profundamente dividido entre os que
pensam que a prisão preventiva de Lula é uma afronta aos valores da revolução
brasileira e os que a entendem como um corte necessário e violento para com a
eternização do PT no poder e presumíveis ligações à corrupção endémica do
Brasil.
Hoje, gostaria de escrever sobre a turbulência brasileira
mais do ponto de vista do que parece ser o esgotamento dos prenúncios de modelo
distributivo que o PT por via de Lula trouxe à economia brasileira, com
resultados designadamente na redução dos níveis de pobreza absoluta que se
manifestavam na sociedade brasileira.
Desde os tempos idos da integração do Brasil na economia
mundial como economia primário-exportadora até aos nossos dias, a economia
brasileira passou como é conhecido por modelos de industrialização, sejam os da
substituição de importações, os da abertura do mercado interno à internacionalização
e às firmas multinacionais após a entrada dos militares no poder e os impulsionados
pelo capitalismo de estado, que marcaram decisivamente o contexto de desigualdade
e de superdependência dos mecanismos económicos do Estado.
A chegada de Lula ao poder pretendeu traçar uma nova
trajetória de desenvolvimento, mais claramente distributiva e procurando
reduzir níveis de desigualdade e de pobreza absoluta. A ambição talvez implícita
nesse projeto fosse o de procurar criar as bases para a emergência de classes médias
na sociedade brasileira, preenchendo de vez o vazio entre uma massa de população
muito pobre e os estratos de rendimento elevado.
Os dados da distribuição do rendimento parecem traduzir
esse clima redistributivo (veja-se a descida do coeficiente de GINI), mas há
sinais de que a ambição de criar uma classe média falhou e de que essas classes
embrionárias estão a virar-se contra o PT. O que estará a acontecer em meu
entender é que o distributivismo não foi capaz de conter os vícios estruturais
de um aparelho produtivo que emergiu como resultado do forte intervencionismo
do Estado. E o que aparece como algo de fatal para o PT é que ele próprio surge
hoje mais fortemente ligado aos podres e vícios do modelo do que ao esforço distributivo.
E quando assim é, o modelo esgotou-se. O Brasil continua a apresentar uma muito
baixa extroversão da economia (medido pelas exportações em % do PIB) e a
percentagem de exportações de alta tecnologia em relação ao total de produtos
manufaturados exportados está a descer há alguns anos não ultrapassando hoje 10%.
Sem comentários:
Enviar um comentário