sábado, 12 de março de 2016

O SAMBA DA TURBULÊNCIA





Este será um dos mistérios insondáveis da minha vida que caminha aceleradamente para os setenta. Na minha passagem intelectual pela economia do sub/desenvolvimento, o Brasil esteve sempre no centro das minhas leituras e pesquisa, Fernando Henriques Cardoso é um dos patronos deste blogue, apresentei no Porto uma obra póstuma do grande e irredutível Celso Furtado (de que tive o prazer de assistir a uma aula em Paris) a convite da sua viúva Rosa Aguiar Furtado e do saudoso Kiko Neves. Mas nunca a vida se proporcionou para uma viagem ao tropicalismo brasileiro e, nas raras intercontinentais que realizei, os Estados Unidos ganharam a primazia.

Por isso, falar e escrever sobre a turbulência brasileira ou sobre o Brasil em geral causa-me sempre um incómodo ambivalente. A realidade distante é sempre mais complexa do que a veiculada pela informação a que vamos acedendo.

Perdi na memória a graça de alguém que me dizia que o General De Gaulle era, pelo menos entre certa elite brasileira, uma personagem proscrita porque teria tido o topete de um dia dizer que o Brasil era um país eternamente adiado, uma eterna esperança que nunca seria uma certeza concreta. Os tempos têm-se encarregado de transformar De Gaulle em oráculo bem-sucedido.

José Manuel Fernandes tem hoje no Observador (como este blogue está aberto à informação!) uma excelente peça que nos transporta para vários textos que nos ajudam a interpretar a turbulência de um domingo (o de amanhã), em que o Brasil virá para a rua, profundamente dividido entre os que pensam que a prisão preventiva de Lula é uma afronta aos valores da revolução brasileira e os que a entendem como um corte necessário e violento para com a eternização do PT no poder e presumíveis ligações à corrupção endémica do Brasil.

Hoje, gostaria de escrever sobre a turbulência brasileira mais do ponto de vista do que parece ser o esgotamento dos prenúncios de modelo distributivo que o PT por via de Lula trouxe à economia brasileira, com resultados designadamente na redução dos níveis de pobreza absoluta que se manifestavam na sociedade brasileira.

Desde os tempos idos da integração do Brasil na economia mundial como economia primário-exportadora até aos nossos dias, a economia brasileira passou como é conhecido por modelos de industrialização, sejam os da substituição de importações, os da abertura do mercado interno à internacionalização e às firmas multinacionais após a entrada dos militares no poder e os impulsionados pelo capitalismo de estado, que marcaram decisivamente o contexto de desigualdade e de superdependência dos mecanismos económicos do Estado.

A chegada de Lula ao poder pretendeu traçar uma nova trajetória de desenvolvimento, mais claramente distributiva e procurando reduzir níveis de desigualdade e de pobreza absoluta. A ambição talvez implícita nesse projeto fosse o de procurar criar as bases para a emergência de classes médias na sociedade brasileira, preenchendo de vez o vazio entre uma massa de população muito pobre e os estratos de rendimento elevado. 


Os dados da distribuição do rendimento parecem traduzir esse clima redistributivo (veja-se a descida do coeficiente de GINI), mas há sinais de que a ambição de criar uma classe média falhou e de que essas classes embrionárias estão a virar-se contra o PT. O que estará a acontecer em meu entender é que o distributivismo não foi capaz de conter os vícios estruturais de um aparelho produtivo que emergiu como resultado do forte intervencionismo do Estado. E o que aparece como algo de fatal para o PT é que ele próprio surge hoje mais fortemente ligado aos podres e vícios do modelo do que ao esforço distributivo. E quando assim é, o modelo esgotou-se. O Brasil continua a apresentar uma muito baixa extroversão da economia (medido pelas exportações em % do PIB) e a percentagem de exportações de alta tecnologia em relação ao total de produtos manufaturados exportados está a descer há alguns anos não ultrapassando hoje 10%.

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