Lenta e inexoravelmente, vamos como Europeus de pleno
direito construindo a perceção de que a vida nas cidades e a mobilidade pela Europa
não será a mesma durante não sabemos por quanto tempo. A resistência milagrosa
que os riscos da sociedade securitária estão a encontrar na convivialidade dos
que não querem renunciar ao princípio básico da nossa civilização, o direito à
circulação e à mobilidade, não vão certamente durante muito mais tempo resistir
à erosão de tantos ataques, perpetrados com seletividade macabra. Hoje, os
belgas e toda uma sociedade internacionalizada e deslocada das suas origens,
ontem em França, amanhã não sabemos em que ponto, outros conceitos de vida e de
morte golpeiam sem hesitação os símbolos da nossa mobilidade e convivência. Dizia-me
hoje um amigo que assistiremos por certo a uma desproporcionada reação e
organização securitária, para a qual demoraremos largo tempo em encontrar a dose
certa para assegurar a autodefesa sem comprometer os tais valores da mobilidade
e da tolerância. Há quem diga que a Europa tem demorado demasiado tempo em assegurar
eficazmente essa organização de autodefesa, numa espécie de ilusão de que
passamos por pesadelos que não se repetirão no futuro. Talvez essa aprendizagem
seja dificultada em sociedades que aprofundaram tanto a mobilidade e a tolerância,
não se apercebendo das bombas humanas-relógio ocultas por entre uma população
muçulmana pacífica que estão prontas para serem detonadas à primeira ordem de
destruição recebida. No caso vertente, Zaventem e Malbeek são locais demasiado familiares
de tempos passados e por isso o choque é maior e a efemeridade da vida urbana é
hoje cada vez mais chocante. Estar na esquina ou sítio errados à hora errada
pode acontecer a qualquer um, a qualquer momento e com cada vez maior probabilidade
de ocorrência.
Dizia alguém nos media que se estima que a Europa terá
acolhido nos últimos tempos cerca de 12.000 cidadãos radicais islâmicos dispostos
a serem imolados não pelo fogo mas pelo premir de um clique, o arranque de uma
cavilha ou simples acionar de um detonador. E a questão óbvia que se coloca é
como será possível isolar essa presumida massa de gente, que círculo de segurança
será possível delimitar sem ofender os direitos de privacidade e de respeito pelas
culturas e liberdades dos que privam sem provavelmente o saberem com essas
bombas humanas? As respostas possíveis a essa questão são todas inquietantes e
representam recuos civilizacionais.
A lágrima do Tintim talvez não seja a imagem mais feliz, sobretudo
porque hoje não foi apenas a Bélgica que foi atacada na sua convivialidade. Mas
o traço de Hergé que se quer recordar já é património de todos há longo tempo.
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