quarta-feira, 16 de março de 2016

BRUXELAS SEM PARANÇA


Abundam em Bruxelas os bons programas culturais de toda a ordem, mas também nunca por lá faltam programas interessantes no plano político ou no plano económico. Politicamente, foi desta vez o caso de uma simbólica mas meritória iniciativa do PSE que, pressionado pelas decisões a tomar pela Cimeira que amanhã acontece em torno da problemática migrantes/Turquia, convocou uma manifestação sob a palavra de ordem “no more walls in Europe” e nela contou com vários dos seus pesos pesados localmente sediados (Schulz, Stanishev, Pitella, designadamente).

Ontem, fui assistir à sessão de lançamento do último trabalho de Andrew Duff (ex-deputado europeu e visiting fellow no “European Policy Centre”) sobre a urgência de preparar e dar corpo a um futuro federalista para a Europa. Com ele estiveram o belga que é líder da sua área política (liberal) Guy Verhofstadt (respondendo à incómoda pergunta “when will these bloody Europeans do what is needed for their currency?” com a ideia que projetou no ecrã – “this is the plan to save the Eurozone, our Philadelphia moment!” – de uma Convenção “revolucionária” por ocasião dos 60 anos do Tratado de Roma, i.e., no próximo 25 de março de 2017), a socialista francesa Pervenche Berès e a polaca Danuta Hubner (PPE). No folheto de apresentação, o autor escreveu: “Num tempo em que a UE se encontra numa tempestade perfeita de crises que parece incapaz de superar, é necessário um movimento ousado para revigorar o sistema de governo da UE e evitar o risco de desagregação. A fim de abordar a fraqueza inerente à governação económica e monetária da UE, este panfleto propõe um novo tratado para a Zona Euro: o Protocolo de Frankfurt.” E, após sublinhar que se trata da primeira tentativa alguma vez realizada no sentido de elaborar um tratado visando a criação de uma união orçamental, acrescenta ainda: “O Protocolo de Frankfurt esboça um quadro constitucional para um adequado governo económico e, espero, também servirá para acelerar o debate sobre o “Relatório dos Cinco Presidentes”. Percebendo que o tempo não está propício a uma profunda reformulação constitucional, o panfleto avança ao invés com uma mais pequena revisão dos tratados que se concentra numa reengenharia do regime de Maastricht para a união económica e monetária, assumindo a forma de um protocolo a ser adicionado aos tratados em vigor. O artigo 48(2) do Tratado da União Europeia permite que o governo de qualquer Estado membro, o Parlamento Europeu ou a Comissão apresentem propostas de alteração dos tratados. A nossa esperança é a de que alguém, informado por este projeto de protocolo, faça exatamente isso.”

A proposta é constituída por 21 artigos, os quais mostram com clareza a inquestionável dimensão dos problemas em presença mesmo num quadro de construção minimalista como o que está em causa: o primeiro promove o vice-presidente da Comissão responsável pela política económica a secretário do Tesouro da Zona Euro, inclui no Tesouro o ESM e outros fundos comuns e atribui-lhe direitos de representação externa; o segundo dota o Eurogrupo de poderes legislativos e orçamentais completos e propõe a organização de duas cimeiras anuais do Euro; o terceiro concede voto próprio ao Parlamento Europeu (PE) sobre questões da Zona Euro, tais como impostos e um orçamento especial; o quarto reformula o papel do BCE enquanto banqueiro do Tesouro europeu, atribui-lhe a representação da Zona em Basileia e concede um papel mais significativo ao PE e à Comissão na nomeação do conselho executivo; o quinto refere uma política económica comum para a Zona Euro; o sexto refere uma política de emprego comum; o sétimo diz respeito a uma harmonização de impostos diretos por via de procedimentos legislativos ordinários; o oitavo visa assegurar a coesão entre a UEM e as políticas do mercado único; o nono adapta a “cláusula de flexibilidade” para uso da Zona Euro; o décimo tem a ver com um orçamento suplementar para a Zona Euro; o décimo primeiro aborda a natureza, objetivos e instrumentos de uma política económica comum; o décimo segundo detalha a respetiva interligação com as regras existentes; o décimo terceiro adapta o artigo 121 do TFEU em matéria de grandes orientações económicas; o décimo quarto define circunstâncias excecionais; o décimo quinto altera a regra de não resgate; o décimo sexto altera o procedimento relativo aos défices excessivos, quer em termos de votação por maioria qualificada quer em termos do papel do PE; o décimo sétimo fornece uma base jurídica para a união bancária, incluindo uma garantia comum de depósitos; o décimo oitavo adapta o artigo 136 do TFEU sobre a estabilidade orçamental e atribui poderes de codecisão ao PE; o décimo nono respeita ao Pacto Orçamental; o vigésimo trata da saída do Euro; o vigésimo primeiro obriga qualquer novo membro a ficar imediatamente sujeito ao novo Tratado. Em suma: Duff é um europeísta convicto como já há poucos, voltou a revelar-se um voluntarista dos sete costados e fez um trabalho altamente meritório no sentido de combater pela sua dama (a exemplo do que já ocorrera aquando do Tratado Constitucional), mas não me pareceu imbuído de grande otimismo quanto ao devir da situação europeia (com ou sem Brexit) – louvável, em qualquer caso...


Por fim, que dizer desta Bruxelas que se coloca sempre em estado de sítio quando por aqui venho? Apenas e só, como se diz em futebolês, que este nosso mundo está mesmo perigoso! Fazer o quê?

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