Esta semana, mais propriamente na terça-feira passada,
tive o privilégio de regressar ao ciclo de piano da Casa da Música, depois de
uma longa ausência e perder um bilhete já comprado para um concerto de Grigory
Sokolov seria um sacrilégio de que me penitenciaria para sempre.
Há algo de estranho na relação entre o público da Casa da
Música e o pianista que me escapa. Não sei se é química, se é apenas o
resultado de anos anteriores, de desempenhos exuberantes numa série infindável
de encores, de hábitos que o pianista deixou criar. Mas os concertos de Sokolov
naquela sala são sempre momentos de puro desfrutar, momentos em que apetece
esquecer todos os nossos constrangimentos, comungando com o parceiro (a) do
lado, da frente ou da fila atrás aqueles momentos fugazes de puro deleite. É
por isso que não vou muito pela senda dos encores sucessivos. A concentração
perde-se e o fascínio do concerto já lá foi, precipitando o inevitável.
Mas a psicologia coletiva de uma sala é assim. Os
pigarros, tosses e outros ruídos esmeraram-se pois Sokolov pediu através da
organização que tivessem em conta que o recital iria ser gravado. Disciplina
autoconsentida e liberta nas mudanças de andamentos ou de peças em que as
gargantas recuperam o seu poder de ruído.
Uma grande noite com Schumann a abrir (Arabesco em Dó maior,
op.18 e Fantasia em Dó maior, op.17), novidades para este inculto musical e
depois uma segunda parte com dois Noturnos de Chopin (como é belo o frasear
inicial do Noturno em Si maior) e para finalizar a Sonata nº 2 em Si bemolmenor, op. 35, com a sempre impressionante marcha fúnebre no terceiro andamento
e o intrigante andamento final. Na minha memória de outros concertos na Suggia,
talvez apenas esta sonata tocada pelo imprevisível mas sublime Krystian
Zimmerman resista à felicidade da passada terça-feira.
Dos encores não falo. A minha incultura musical não os identifica,
lamentavelmente. Mas o fascínio perde-se e os últimos já se perdem na confusão
dos que saem e dos que permanecem.
Mas uma sensação de felicidade coletiva atravessou aquela
sala.
Sem comentários:
Enviar um comentário