sexta-feira, 11 de março de 2016

SOKOLOV, SEMPRE





Esta semana, mais propriamente na terça-feira passada, tive o privilégio de regressar ao ciclo de piano da Casa da Música, depois de uma longa ausência e perder um bilhete já comprado para um concerto de Grigory Sokolov seria um sacrilégio de que me penitenciaria para sempre.

Há algo de estranho na relação entre o público da Casa da Música e o pianista que me escapa. Não sei se é química, se é apenas o resultado de anos anteriores, de desempenhos exuberantes numa série infindável de encores, de hábitos que o pianista deixou criar. Mas os concertos de Sokolov naquela sala são sempre momentos de puro desfrutar, momentos em que apetece esquecer todos os nossos constrangimentos, comungando com o parceiro (a) do lado, da frente ou da fila atrás aqueles momentos fugazes de puro deleite. É por isso que não vou muito pela senda dos encores sucessivos. A concentração perde-se e o fascínio do concerto já lá foi, precipitando o inevitável.

Mas a psicologia coletiva de uma sala é assim. Os pigarros, tosses e outros ruídos esmeraram-se pois Sokolov pediu através da organização que tivessem em conta que o recital iria ser gravado. Disciplina autoconsentida e liberta nas mudanças de andamentos ou de peças em que as gargantas recuperam o seu poder de ruído.

Uma grande noite com Schumann a abrir (Arabesco em Dó maior, op.18 e Fantasia em Dó maior, op.17), novidades para este inculto musical e depois uma segunda parte com dois Noturnos de Chopin (como é belo o frasear inicial do Noturno em Si maior) e para finalizar a Sonata nº 2 em Si bemolmenor, op. 35, com a sempre impressionante marcha fúnebre no terceiro andamento e o intrigante andamento final. Na minha memória de outros concertos na Suggia, talvez apenas esta sonata tocada pelo imprevisível mas sublime Krystian Zimmerman resista à felicidade da passada terça-feira.

Dos encores não falo. A minha incultura musical não os identifica, lamentavelmente. Mas o fascínio perde-se e os últimos já se perdem na confusão dos que saem e dos que permanecem.

Mas uma sensação de felicidade coletiva atravessou aquela sala.

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