sexta-feira, 11 de março de 2016

QUANDO A BAZUCA PODE DERRAMAR PÓLVORA SECA






Os senhores do diretório ideológico europeu andam a brincar com o fogo a pensar que o estão a fazer com algo de lúdico e inofensivo e ainda não compreenderam bem que a sua teimosia em justificar decisões passadas injustificáveis está a contribuir para o afundamento da economia mundial e das suas previsões de crescimento a curto prazo. Para o seu horizonte terminológico anglo-saxónico, “deflation” era algo do tempo das cavernas, ou seja dos tempos em que se pensava que o ciclo económico não era dominável. Era tão confortável ter a inflação controlada em torno dos 2% de referência. O super-Draghi aparece assim como o elemento de salvação para salvar a face. Não conheço os meandros da decisão de ontem, quinta-feira, mas não me custa a acreditar que Draghi não terá tido grandes reservas no conselho de governadores para lançar mais uma descida da taxa de referência, aumentar a intensidade do quantitative easing, prolongar o período de vigência de bazucas anteriores. As informações conhecidas apontam para uma votação favorável de 19 a 2 (imaginem quem são estes dois, representantes holandês e alemão). Há dias apercebi-me que as últimas declarações públicas de Weidman no Bundesbank começavam a admitir finalmente a necessidade de combater os riscos de deflação. Mas a inércia é enorme. O salvar a face consiste no desejo celestial de que embora coxo nas suas ambições o BCE possa por via da sua política monetária acelerar o mais possível a retoma de expectativas inflacionistas e assim ajudar a zona euro a projetar-se com outras perspetivas de crescimento nominal. Mas este salvar a face é muito relativo. A agonia da recuperação já se prolongou demasiado no tempo para que não se procurem as razões que nos conduziram a tal situação.

Nos últimos tempos, tem-se cavado a ideia de que o BCE e o sistema de bancos centrais que o BCE organiza chegaram ao fim da linha em matéria de possibilidades de estimular o crescimento económico. António Fatás escrevia ontem (10.03.2016) que começa a generalizar-se a perceção nos mercados de que o BCE esgotou o seu arsenal de tipos de bazuca e, ainda mais grave, que para os tipos existentes não é seguro que aumentar as munições seja já o suficiente. Para já temos a experiência do banco central do Japão e os resultados não são convincentes. Draghi esforçou-se ontem por romper com essa perceção. Mas se isso for verdade então a armadilha do “zero lower bound” não é apenas um entretenimento de académicos. E como o próprio Fatás o assinala, não deixará de ser curioso o que é que Draghi poderá dizer na próxima conferência de imprensa.

Por outro lado, quanto à via das taxas de juro negativas já se percebeu que a banca comercial está com enormes dificuldades em transformar essa condição em estímulo ao investimento e consumo de empresas e famílias, respetivamente. O que é conhecida é a relutância da banca em praticar taxas negativas junto dos seus depositantes, ou seja, cobrar pelo parqueamento de poupanças nas suas contas. Claro que os custos de manutenção de uma conta são uma via disfarçada de repercutir taxas negativas. Mas não é líquido que a banca não se proteja de rombos na sua rendibilidade aumentando custos de concessão de crédito, o que corta rente qualquer possibilidade de repercussão positiva em investimento e consumo.

A economia mundial não parece neste momento capaz de se organizar em torno de um estímulo fiscal de natureza global. Até lá, os riscos de decisões como a do BCE não terem efeitos globais e antes tenderem a gerar desvalorizações competitivas, isto é, à custa dos parceiros, são enormes.

Ontem, o comportamento do Euro não deixou de ser surpreendente. Descida entre as 11 e o meio-dia, seguida de nova subida e ligeiríssima descida posterior.


Brad DeLong está certo quando vaticina que os economistas do futuro vão provavelmente cunhar esta década como a mais longa depressão da história económica. E não havia necessidade …

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