Os senhores do diretório ideológico europeu andam a brincar
com o fogo a pensar que o estão a fazer com algo de lúdico e inofensivo e ainda
não compreenderam bem que a sua teimosia em justificar decisões passadas
injustificáveis está a contribuir para o afundamento da economia mundial e das
suas previsões de crescimento a curto prazo. Para o seu horizonte terminológico
anglo-saxónico, “deflation” era algo do tempo das cavernas, ou seja dos tempos
em que se pensava que o ciclo económico não era dominável. Era tão confortável
ter a inflação controlada em torno dos 2% de referência. O super-Draghi aparece
assim como o elemento de salvação para salvar a face. Não conheço os meandros
da decisão de ontem, quinta-feira, mas não me custa a acreditar que Draghi não
terá tido grandes reservas no conselho de governadores para lançar mais uma
descida da taxa de referência, aumentar a intensidade do quantitative easing, prolongar o período de vigência de bazucas anteriores.
As informações conhecidas apontam para uma votação favorável de 19 a 2 (imaginem
quem são estes dois, representantes holandês e alemão). Há dias apercebi-me que
as últimas declarações públicas de Weidman no Bundesbank começavam a admitir finalmente
a necessidade de combater os riscos de deflação. Mas a inércia é enorme. O
salvar a face consiste no desejo celestial de que embora coxo nas suas ambições
o BCE possa por via da sua política monetária acelerar o mais possível a retoma
de expectativas inflacionistas e assim ajudar a zona euro a projetar-se com
outras perspetivas de crescimento nominal. Mas este salvar a face é muito
relativo. A agonia da recuperação já se prolongou demasiado no tempo para que não
se procurem as razões que nos conduziram a tal situação.
Nos últimos tempos, tem-se cavado a ideia de que o BCE e
o sistema de bancos centrais que o BCE organiza chegaram ao fim da linha em matéria
de possibilidades de estimular o crescimento económico. António Fatás escrevia
ontem (10.03.2016) que começa a generalizar-se a perceção nos mercados de que o
BCE esgotou o seu arsenal de tipos de bazuca e, ainda mais grave, que para os
tipos existentes não é seguro que aumentar as munições seja já o suficiente. Para
já temos a experiência do banco central do Japão e os resultados não são
convincentes. Draghi esforçou-se ontem por romper com essa perceção. Mas se
isso for verdade então a armadilha do “zero
lower bound” não é apenas um entretenimento de académicos. E como o próprio
Fatás o assinala, não deixará de ser curioso o que é que Draghi poderá dizer na
próxima conferência de imprensa.
Por outro lado, quanto à via das taxas de juro negativas já
se percebeu que a banca comercial está com enormes dificuldades em transformar
essa condição em estímulo ao investimento e consumo de empresas e famílias,
respetivamente. O que é conhecida é a relutância da banca em praticar taxas
negativas junto dos seus depositantes, ou seja, cobrar pelo parqueamento de poupanças
nas suas contas. Claro que os custos de manutenção de uma conta são uma via
disfarçada de repercutir taxas negativas. Mas não é líquido que a banca não se
proteja de rombos na sua rendibilidade aumentando custos de concessão de crédito,
o que corta rente qualquer possibilidade de repercussão positiva em investimento
e consumo.
A economia mundial não parece neste momento capaz de se organizar
em torno de um estímulo fiscal de natureza global. Até lá, os riscos de
decisões como a do BCE não terem efeitos globais e antes tenderem a gerar desvalorizações
competitivas, isto é, à custa dos parceiros, são enormes.
Ontem, o comportamento do Euro não deixou de ser
surpreendente. Descida entre as 11 e o meio-dia, seguida de nova subida e ligeiríssima
descida posterior.
Brad DeLong está certo quando vaticina que os economistas
do futuro vão provavelmente cunhar esta década como a mais longa depressão da
história económica. E não havia necessidade …
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