No meio da irrelevância de escritos com que o fim de semana
em regra nos brinda, em torno dos atentados de Bruxelas e da ameaça que o
radicalismo islâmico representa para o nosso futuro próximo, as crónicas acima
mencionadas são o oposto dessa mediocridade. Na origem (geográfica) do
radicalismo islâmico estão cismas religiosos e culturais que a imprevidência ocidental
simplesmente reavivou, profundamente ampliados pela irrelevância europeia que
as intervenções militares a destempo pretendem ocultar. No destino da incidência
dessa ameaça que o islamismo radical representa para o nosso modelo societário,
por mais que o queiramos também ocultar está também presente um conflito religioso.
Não como é óbvio entre as interpretações dominantes do catolicismo e do Islão,
mas envolvendo interpretações na margem que brotam em função das condições
concretas da radicalização entretanto operada. O que nos resta do poder ocidental
que já tivemos como Europeus é sobretudo o modelo de vida e de sociedade que queremos
preservar, ainda que como Clara Ferreira Alves tão bem o assinalou na crónica
de abertura da revista do Expresso da semana passada, seja hoje difícil encontrar
um consenso entre modelos de vida e de sociedade na Europa. Imaginar que a integração
de populações mais profundamente marcadas pelas raízes religiosas dos modelos
culturais e de vida no nosso modelo de estar em comunidade é fácil e espontânea
é puro “wishful thinking”. A crónica
de Pacheco Pereira demonstra-o com clareza e desassombro. Os valores da tolerância
são traiçoeiros pois podem no limite tolerar a intolerância. Valores que se
transformaram em conquistas civilizacionais da nossa prática social, como por
exemplo a valorização da ascensão social da mulher e da sua liberdade de
disposição do corpo, do modelo de vida e da orientação sexual, convivem
naturalmente mal com modelos de organização de comunidades que contrariam e
agridem tais valores. A laicização convive naturalmente mal com comunidades em
que os valores religiosos comandam a estrutura global de princípios e valores e
onde a mulher é relegada para a subalternidade social. Obama tem razão quando
hoje afirmou que as populações muçulmanas não podem ser estigmatizadas, sob
pena de se perder um dos aliados fundamentais no combate ao radicalismo islâmico.
Mas essas populações, como Pacheco Pereira o assinala, se bem que devam
combater a guetização que pode resultar de políticas públicas dos países de acolhimento,
também deveriam ter um comportamento público mais expressivo na denúncia do islamismo
radical.
O problema está já suficientemente internalizado nas sociedades
ocidentais para ser ignorado e deslocado para debaixo do tapete. Seria necessária
uma impensável inversão de movimentos populacionais para o reduzir a dimensões
mínimas. Nessa medida, se a resolução na fonte do problema estará adiada
sabe-se lá até quando, o melhor será continuarmos firmes na defesa do que hoje
nos individualiza, a nossa maneira de estar em comunidade e sobretudo resistir
aos recuos civilizacionais.
Sem comentários:
Enviar um comentário