sábado, 26 de março de 2016

GUERRA DE CULTURAS E RELIGIÕES





No meio da irrelevância de escritos com que o fim de semana em regra nos brinda, em torno dos atentados de Bruxelas e da ameaça que o radicalismo islâmico representa para o nosso futuro próximo, as crónicas acima mencionadas são o oposto dessa mediocridade. Na origem (geográfica) do radicalismo islâmico estão cismas religiosos e culturais que a imprevidência ocidental simplesmente reavivou, profundamente ampliados pela irrelevância europeia que as intervenções militares a destempo pretendem ocultar. No destino da incidência dessa ameaça que o islamismo radical representa para o nosso modelo societário, por mais que o queiramos também ocultar está também presente um conflito religioso. Não como é óbvio entre as interpretações dominantes do catolicismo e do Islão, mas envolvendo interpretações na margem que brotam em função das condições concretas da radicalização entretanto operada. O que nos resta do poder ocidental que já tivemos como Europeus é sobretudo o modelo de vida e de sociedade que queremos preservar, ainda que como Clara Ferreira Alves tão bem o assinalou na crónica de abertura da revista do Expresso da semana passada, seja hoje difícil encontrar um consenso entre modelos de vida e de sociedade na Europa. Imaginar que a integração de populações mais profundamente marcadas pelas raízes religiosas dos modelos culturais e de vida no nosso modelo de estar em comunidade é fácil e espontânea é puro “wishful thinking”. A crónica de Pacheco Pereira demonstra-o com clareza e desassombro. Os valores da tolerância são traiçoeiros pois podem no limite tolerar a intolerância. Valores que se transformaram em conquistas civilizacionais da nossa prática social, como por exemplo a valorização da ascensão social da mulher e da sua liberdade de disposição do corpo, do modelo de vida e da orientação sexual, convivem naturalmente mal com modelos de organização de comunidades que contrariam e agridem tais valores. A laicização convive naturalmente mal com comunidades em que os valores religiosos comandam a estrutura global de princípios e valores e onde a mulher é relegada para a subalternidade social. Obama tem razão quando hoje afirmou que as populações muçulmanas não podem ser estigmatizadas, sob pena de se perder um dos aliados fundamentais no combate ao radicalismo islâmico. Mas essas populações, como Pacheco Pereira o assinala, se bem que devam combater a guetização que pode resultar de políticas públicas dos países de acolhimento, também deveriam ter um comportamento público mais expressivo na denúncia do islamismo radical.

O problema está já suficientemente internalizado nas sociedades ocidentais para ser ignorado e deslocado para debaixo do tapete. Seria necessária uma impensável inversão de movimentos populacionais para o reduzir a dimensões mínimas. Nessa medida, se a resolução na fonte do problema estará adiada sabe-se lá até quando, o melhor será continuarmos firmes na defesa do que hoje nos individualiza, a nossa maneira de estar em comunidade e sobretudo resistir aos recuos civilizacionais.

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