sexta-feira, 18 de março de 2016

PARA LÁ DA CORTINA DO TRUMPISMO





O primarismo do discurso nacionalista e reacionário da galopante candidatura de Donald Trump à nomeação republicana para as presidenciais americanas tem dado origem aos mais diversos catastrofismos. Desde o risco para o belicismo mundial até ao impacto na construção civil americana (tantos são os muros isolacionistas que Trump tem prometido erguer), há para todos os gostos nessas antecipações do que poderia uma vitória a dois tempos do protagonista representar para o mundo e para os americanos.

No âmbito da promessa de acompanhar neste blogue os rumos da eleição americana e sobretudo de compreender os debates colaterais ou de suporte que ela suscita, questionei-me nos últimos dias sobre que estado de coisas ou mudanças estarão a acomodar o discurso de Trump.

Já aqui me referi ao síndrome do abandono das esperanças de mobilidade social ascendente que o mito americano do mundo de oportunidades criou e que alimenta um universo complexo de deserdados e desencantados com a política mais tradicional, parte dos quais respondeu favoravelmente ao apelo defensivo-isolacionista-incendiário de Trump. Não vou hoje por aí, até porque ele anda indissociavelmente ligado aos padrões de desigualdade crescente que se têm consolidado na sociedade americana e esse tem sido um tema fortemente recorrente do padrão editorial do blogue.

Interessa-me antes avaliar a que é que pode corresponder o nacionalismo económico de Trump.

Entre todas as matérias a mais impactante é a perda sistemática de emprego na indústria transformadora que a economia americana vem experimentando desde há muito (veja-se o gráfico que abre como imagem este post). Uma grande parte desta perda deve-se ao que na literatura se convencionou designar por “choque chinês” e há grande expectativa pela publicação este ano, em setembro, do artigo de David Autor, David Dorn e Gordon Hanson, “The China Shock: Learning from Labor Market Adjustment to Large Changes in Trade” (abstract aqui) do qual se vão conhecendo algumas pontas. A partir de 2009, o emprego industrial nos EUA parece ter começado a recuperar, embora longe de recuperar os níveis de emprego dos anos 80 (veja-se o gráfico seguinte). 
 

Justin Fox, no Bloomberg View, fala a este respeito de uma nova figura, popular na imprensa americana, o “reshoring”, o contraponto ao offshoring provocado pela produção em instalações deslocalizadas para a China. O fenómeno tem já uma instituição de suporte, o Reshoring Institute, associado à Universidade de San Diego, com o lema de ajudar o regresso aos EUA de indústrias transformadoras e serviços deslocalizados.

Quer isto dizer que o primarismo de Trump não provém do nada, cavalga algo que não sabemos ainda se terá a mesma dimensão estrutural da longa perda observada entre 1980 e 2009.
 


Mas o desempenho industrial da economia americana indo um pouco mais fundo deixa algo a desejar. Um grande projeto da Brookings Institution centrado nas chamadas indústrias avançadas, cuja identificação tem metodologia própria, coloca os EUA bastante abaixo de outras economias com menor potencial económico. O gráfico acima mostra bem que o emprego americano neste tipo de indústrias está bastante abaixo do de outras economias e tem até diminuído. Isto para além da economia americana ser fortemente deficitária neste tipo de indústrias (ver gráfico abaixo). 


Aliás, essa tendência é visível também na hoje externamente deficitária posição da indústria de bens de capital americana (ver gráfico abaixo).


Estes elemento demonstram bem que não é o palavreado primário de Trump que resolverá um problema bem mais fundo para a economia americana do que parece, apesar de todos os esforços do “reshoring”. E suspeito que o êxito inicial deste reshoring não será alheio à divergência do crescimento da produtividade e dos salários, claramente mais favorável à primeira.

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