O primarismo do discurso nacionalista e reacionário da
galopante candidatura de Donald Trump à nomeação republicana para as
presidenciais americanas tem dado origem aos mais diversos catastrofismos. Desde
o risco para o belicismo mundial até ao impacto na construção civil americana
(tantos são os muros isolacionistas que Trump tem prometido erguer), há para
todos os gostos nessas antecipações do que poderia uma vitória a dois tempos do
protagonista representar para o mundo e para os americanos.
No âmbito da promessa de acompanhar neste blogue os rumos
da eleição americana e sobretudo de compreender os debates colaterais ou de
suporte que ela suscita, questionei-me nos últimos dias sobre que estado de
coisas ou mudanças estarão a acomodar o discurso de Trump.
Já aqui me referi ao síndrome do abandono das esperanças
de mobilidade social ascendente que o mito americano do mundo de oportunidades criou
e que alimenta um universo complexo de deserdados e desencantados com a política
mais tradicional, parte dos quais respondeu favoravelmente ao apelo defensivo-isolacionista-incendiário
de Trump. Não vou hoje por aí, até porque ele anda indissociavelmente ligado
aos padrões de desigualdade crescente que se têm consolidado na sociedade
americana e esse tem sido um tema fortemente recorrente do padrão editorial do
blogue.
Interessa-me antes avaliar a que é que pode corresponder
o nacionalismo económico de Trump.
Entre todas as matérias a mais impactante é a perda
sistemática de emprego na indústria transformadora que a economia americana vem
experimentando desde há muito (veja-se o gráfico que abre como imagem este
post). Uma grande parte desta perda deve-se ao que na literatura se convencionou
designar por “choque chinês” e há grande expectativa pela publicação este ano,
em setembro, do artigo de David Autor, David Dorn e Gordon Hanson, “The China Shock:
Learning from Labor Market Adjustment to Large Changes in Trade”
(abstract aqui) do qual se vão conhecendo algumas pontas. A partir de 2009, o
emprego industrial nos EUA parece ter começado a recuperar, embora longe de recuperar
os níveis de emprego dos anos 80 (veja-se o gráfico seguinte).
Justin Fox, no Bloomberg View, fala a este respeito de uma nova figura, popular na imprensa
americana, o “reshoring”, o
contraponto ao offshoring provocado pela produção em instalações deslocalizadas
para a China. O fenómeno tem já uma instituição de suporte, o Reshoring Institute, associado à Universidade de San Diego, com o lema de ajudar o regresso
aos EUA de indústrias transformadoras e serviços deslocalizados.
Quer isto dizer que o primarismo de Trump não provém do
nada, cavalga algo que não sabemos ainda se terá a mesma dimensão estrutural da
longa perda observada entre 1980 e 2009.
Mas o desempenho industrial da economia americana indo um
pouco mais fundo deixa algo a desejar. Um grande projeto da Brookings Institution centrado nas chamadas indústrias avançadas, cuja identificação tem
metodologia própria, coloca os EUA bastante abaixo de outras economias com
menor potencial económico. O gráfico acima mostra bem que o emprego americano
neste tipo de indústrias está bastante abaixo do de outras economias e tem até
diminuído. Isto para além da economia americana ser fortemente deficitária
neste tipo de indústrias (ver gráfico abaixo).
Aliás, essa tendência é visível também na hoje externamente
deficitária posição da indústria de bens de capital americana (ver gráfico
abaixo).
Estes elemento demonstram bem que não é o palavreado primário
de Trump que resolverá um problema bem mais fundo para a economia americana do
que parece, apesar de todos os esforços do “reshoring”.
E suspeito que o êxito inicial deste reshoring
não será alheio à divergência do crescimento da produtividade e dos salários,
claramente mais favorável à primeira.
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