Não é necessário ser um ás nas coisas da economia para
compreender que uma economia global aberta não pode gerar países excedentários
e deficitários em permanência, sob pena do equilíbrio dessa economia global
estar ameaçado. A prudência manda que a rotatividade entre os excedentários e
os deficitários aconteça e essa é a esperança implícita no comportamento das
taxas de câmbio em regime de câmbios flexíveis. Os excedentes ditariam comportamentos
de apreciação das taxas de câmbio de modo a permitir que os deficitários possam
inverter a sua posição.
Ora, nos tempos mais recentes, parece que as economias
viraram todas mercantilistas, pretendendo à custa dos seus parceiros comerciais
reproduzir os seus excedentes comerciais externos e transformá-los em
realidades permanentes. É verdade que os princípios do mercantilismo sempre
encontraram no cidadão comum uma grande audiência, pois a aquisição de
excedentes comerciais externos permanentes é uma prova de força das economias e
isso agrada sempre a um cidadão tocado pelo nacionalismo.
O meu propósito é modesto e pretende tão só demonstrar
que, nos tempos presentes, há razões objetivas para que a procura de excedentes
permanentes se transforme em necessidade mórbida. A razão parece-me simples. A
ilusão entre as economias mais avançadas da economia global, com relevo particular
para a Europa, de que a política monetária é suficiente para superar as limitações
determinadas pela estagnação económica está a ter um preço demasiado alto. E
esse preço corresponde a uma estagnação das procuras internas para além do que
seria desejável, social e economicamente falando. Para além disso, as políticas
de austeridade determinaram um agravamento dessas condições de estagnação da
procura interna e os mercados internos, dos mais amplos aos mais raquíticos,
foram amputados de montantes significativos de poder de compra neles aplicáveis.
Como é óbvio, a estagnação ou crescimento anémico de alguns desses mercados
globais são como é óbvio, numa economia de interdependência global, são fatores
de dificuldade de escoamento das exportações. A política em curso atrofia globalmente
a economia global, mesmo que admitamos que a consolidação do digital está a
transformar o significado e amplitude dos mercados externos. Além disso, em
ambiente de armadilha da liquidez, a situação inversa à de excedentes comerciais,
a de défices externos, ditaria normalmente o afluxo de capitais às economias externamente
deficitárias. Ora, com a poupança desejada a exceder já o investimento realizável,
também esse mecanismo de compensação corre o risco de não funcionar.
Em resumo, a viciada gestão macroeconómica global que está
a ser imposta leva as economias a uma busca desesperada pelos excedentes comerciais,
procurando na procura externa a saída, mas o mercado externo global não é mais
do que uma soma de mercados internos abertos. O jogo que daqui resulta é perigoso
porque não é seguramente um jogo de win-win.
Já não é preciso dizer que o último exemplo histórico de procura
de excedentes comerciais matizada com critérios de geografia da guerra foram os
nazis alemães que o praticaram, tal como o patrono deste blogue, Alfred O. Hirschman,
o demonstrou numa obra hoje já esquecida.
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