Não sou religioso-praticante, mas a convivência com muita
gente que o é ou que pelo menos alimenta processos de religiosidade garante-me alguma
sensibilidade e compreensão para este tipo de manifestações e a Páscoa está entre
elas. O compasso acabou há pouco de sair cá de casa, num ritual relativamente
agónico, hoje já preenchido por leigos e jovens escuteiros, mas que teima em
anunciar-se com os já familiares toques de sinos, que vão alertando os
moradores para a sua passagem. Contam-se pelos dedos as casas abertas à sua
passagem, ou porque estão fechadas, ou porque os moradores demandaram lugares
de férias ou de memória familiar, ou simplesmente porque não estão para aí
virados. É um ritual em agonia, mas Páscoa sem compasso não é coisa que se viva
ou se apresente. E há quem persista. Sei de um casal amigo que por terras de
Grijó oferece religiosamente a sua casa para os pequenos-almoços de início de
dia a quem assume os compassos e são sessenta pequenos-almoços disponibilizados
nesse ritual.
A agonia do ritual urbano traz-me à memória a Páscoa em
Seixas, que passa pelo ambiente muito especial da praça simbólica de Caminha no
domingo de Páscoa, com aquela profusão de cores dos bolos e doces pascais nas prateleiras
da Riviera e que culmina na festividade (com foguetes e tudo, pagos é claro que
um dos vizinhos de condomínio teimava em assegurar) do compasso. Memórias também
das mesas fartas e coloridas que os meus vizinhos de Viana do Castelo ofereciam
aos elementos do compasso, da afetividade das idas às casas dos vizinhos e não me
escapam as memórias sensoriais das empadinhas de lampreia que a vizinha D. Ana
Clara insistia em presentear-nos. E sobretudo a memória dos anos em que as
aleluias abertas em flor, num banco resplandecente, estavam em conformidade com
as festividades. E também daquelas personagens enigmáticas, pertencentes a comissões
locais, informais, que acompanhavam o séquito em busca de uma lembrança monetária.
Talvez também em Seixas o compasso esteja em andamento de
agonia. Outros tempos para se acomodarem na memória.
Escrevo, ouvindo a 4ª e a 7ª de Beethoven na versão de
Nicholas Harnoncourt com a Chamber Orquestra of Europe, recentemente desaparecido,
enquanto espero pela versão (da 4ª e da 5ª) que o mesmo Harnouncourt gravou para
a Sony com o Concentus Musicus Wien e que representará o último legado de tão
fascinante personalidade.
Boa Páscoa a todos.
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