A independência dos bancos centrais face ao poder político
é para muito boa gente algo de inquestionável. E para esse bloco de opinião
todo aquele que ousar colocar essa independência em questão é olhado de lado
como alguém ao serviço da intromissão política no que deve ser pretensamente
uma gestão económica.
Contudo, este argumento de “à política (governação) o que é da política
e à política monetária o que é do banco central” tem que se lhe diga
e está longe de constituir algo de universal e imune ao contexto em que se
aplica. Vale assim a pena regressar ao contexto que tornou possível a assunção
desse pressuposto inalienável, a independência necessária do banco central face
ao poder da governação.
Estamos no tempo (histórico) em que a gestão da procura
global ficou entregue à política monetária acionada pelo banco central em função
de uma meta de inflação condizente com a estabilidade monetária, os célebres 2%.
À política fiscal ficava dedicada uma outra função, bem mais passiva, evitar a
concretização de défices públicos continuados que perturbassem a resposta às necessidades
de financiamento das economias. Estávamos no tempo em que se acreditava que os
economistas tinham finalmente domesticado os ciclos económicos e as turbulências
associadas. Os banqueiros centrais velavam pelo cumprimento da regra inflacionária
e os políticos tinham a sua ação limitada, não se podendo alargar nos défices públicos.
Não é preciso uma licenciatura em economia para compreender que foi esse o
contexto em que a base estatutária do BCE foi arquitetada e que é esse mesmo
entendimento das coisas que levou ao famigerado tratado orçamental.
Pois este clima de fadas madrinhas entrou em flagrante
disrupção. A turbulência voltou, o zero
lower bound instalou-se para ficar perante a incredulidade dos que pensavam
que a instabilidade havia sido domesticada. E a política monetária transfigurou-se,
suou as estopinhas, inventou, reinventou-se, ousou o inesperado, mas nada. As
taxas não tugiram, nem mugiram. A política monetária chegou aos limites da sua intervenção
e a gestão macroeconómica global foi seriamente penalizada por esta
incapacidade e pela errada marginalização da política fiscal. É deste contexto que
deriva a austeridade e a muito tardia perceção que é aos governos que cabe
neste contexto a gestão da procura global. Acirrados na defesa da sua independência,
os bancos centrais estão já há demasiado tempo a dialogar com a sua própria
impotência, renunciando a pedir ajuda à governação e assim perder a sua
pretensa independência.
Simon Wren-Lewis tem-se destacado na defesa de que a
independência dos bancos centrais não pode deixar de ser contextualizada e revista
face ao clima de impotência de política monetária para gerir a prolongada
agonia de recuperação em que a economia mundial está mergulhada. Não se trata de
uma verdade universal, mas algo que resultou essencialmente da quebra de autoridade
que as teorias keynesianas experimentaram quando a estagflação (inflação com estagnação
económica) interpelou a gestão macroeconómica global. Esta última está a ser fortemente
interpelada de novo. A governação responsável pelas condições de vida dos seus
cidadãos não pode esperar sentada que a política monetária se reinvente sem resultados.
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