terça-feira, 1 de março de 2016

É O ACELERADOR, ESTÚPIDO!






À boleia de Laura Tyson, uma economista americana que vale a pena sempre ler com atenção e sobre cujas ideias o Project Syndicate nos permite meditar, encontro na economia americana e no mundo regularidades que importa captar para compreender e contrariar a nossa própria situação.

Sabemos que o investimento privado (fundamentalmente composto de investimento em capital residencial – habitação e em maquinaria e equipamento) é o principal responsável pela recuperação mais ou menos tímida ou agónica que tem caracterizado o mundo economicamente avançado desde a crise de 2007-2008. O FMI no seu World Economic Outlook de 2015 dedica-lhe um capítulo autónomo, intrigado sobretudo pela queda pronunciada dessa variável, visível por exemplo na degradação sucessiva das previsões do seu comportamento. Esse comportamento algo intrigante é sobretudo marcado por esta coexistência de dados: ao longo da crise de 2007-2008 foi compreensivelmente o investimento em capital habitação que teve a queda mais pronunciada, mas foi o investimento empresarial (maquinaria e equipamento) o principal responsável pela recuperação tão agónica observada no investimento global. Esse comportamento de queda foi mais pronunciado nas economias avançadas, mas o fenómeno tem existência global o que sugere que os emergentes e menos desenvolvidos não tiveram força de investimento para o contrariar.

Laura Tyson acrescenta outro fator intrigante. A queda acontece ao mesmo tempo que a taxa de retorno do capital não dá mostras de diminuição, antes pelo contrário.

Aliás, a ideia sempre invocada pela ortodoxia dominante de que as taxas de juro nulas, próximas disso ou mesmo negativas tenderiam a rebaixar o custo do capital e com isso estimulariam o investimento não cola com os factos. Parece haver aqui uma poderosa contradição entre os determinantes microeconómicos do investimento e o que poderíamos designar de determinantes macroeconómicos desse mesmo investimento. O que parece cair por terra, estrondosamente, é a tese dos que associaram a confiança necessária ao investimento ao saneamento a qualquer preço das contas públicas.

Como tenho vindo sistematicamente a salientar, o mainstream dominante entre os economistas que têm aconselhado o tipo de gestão macroeconómica da economia mundial que está a ser praticada arrumou precocemente na arca das ideias consideradas em desuso muitos dos princípios macroeconómicos que eram ensinados no quadro de uma visão mais abrangente dos conflitos entre conceitos e Escolas de economia. Surpreendentemente, é o próprio FMI a desenterrar uma dessas raridades: “o fator determinante na explicação da queda do investimento foi a debilidade global da atividade económica. Em alguns países, outros fatores poderão ter contribuído tais como as restrições financeiras e a incerteza política. Mas a evidência encontrada sugere que o combate à debilidade global da atividade económica é crucial para restaurar o crescimento do investimento privado.”

No contexto de incerteza dinâmica e irredutível que caracteriza a decisão de investir, a antecipação da procura influencia do ponto de vista da variação que configura (mais ou menos procura em termos de crescimento da mesma) a variação do próprio investimento por parte das empresas. Ora, num clima em que as sucessivas previsões de atividade económica (da sua variação) foram sempre revistas em baixa é então natural que se assista a uma desaceleração do investimento, podendo até registar-se uma variação negativa deste último. Isso acontece quando a variação do novo investimento não é suficiente para compensar a depreciação do equipamento que vai mantendo o seu ritmo inexorável. A este princípio chamou Roy Harrod (um discípulo de Keynes) o princípio da aceleração do investimento (ou desaceleração consoante o sinal da variação). Em termos prosaicos, explicava aos meus atónitos alunos ao ouvirem esta relíquia que, para variar positivamente, o investimento necessitaria de uma antecipação de uma variação também positiva da procura global (dos seus mercados). E não é difícil imaginar aqui um ciclo infernal: como o investimento pode não crescer, também o produto potencial da economia não cresce e o que vem atrás disso dispenso-me de completar o raciocínio.

A transcrição deste princípio para a análise econométrica e prospetiva do investimento pode assumir diferentes variantes. Uma variante consolidada consiste numa alternativa: ou se pretende explicar a variação do próprio investimento ou o próprio nível do investimento. A questão não é intuitiva porque o investimento é ele próprio uma variação (do stock de capital). Se a variável a explicar for a variação do investimento (∆ I), a formulação original de Harrod, regra geral ela depende da variação esperada para o produto e do próprio nível de investimento nos períodos anteriores, procurando esta última variável medir o efeito do nível de investimento já alcançado. Se a variável a explicar for o nível do investimento (I), então a equação utilizada usa como variáveis independentes e explicativas a variação desejada do stock de capital (proporcional à variação do produto) e o nível do stock de capital de períodos anteriores.

Não vos vou maçar com estas especificações econométricas que o próprio capítulo 4 do WEO do FMI apresenta pormenorizadamente. Apenas vos digo que se confrontarmos hoje um aluno corrente de macroeconomia com este exercício do FMI ele preferirá certamente estudar chinês. Achará isto estranho por influência da célebre teoria dos loanable funds. O investimento depende negativamente da taxa de juro. Ponto. Surpresa das surpresas, é o FMI a abrir a arca das ideias precocemente varridas da formação macroeconómica de base e a dizer bem claramente: é o efeito acelerador que explica decisivamente o comportamento depressivo do investimento privado nas economias avançadas.

E como o outro diria, “é o acelerador, estúpido”. Mas o que é que esta estranha economia global nos reservará mais?

Mas atenção. O que o FMI nos diz é que a fraqueza estrutural da atividade global está a minar o investimento privado e o risco é gerar-se um círculo vicioso. Como diz o relatório do WEO, o combate a essa fraqueza global é uma condição necessária para reavivar o investimento privado. E, claro está, não dispensando um discurso coerente (persistente e duradouro) para a recuperação do investimento privado que, entre outras coisas e instrumentos, terá de incluir o próprio combate à debilidade global da economia.

Imaginem a importância do reabrir da arca das ideias precocemente arrumadas para uma economia como a nossa em que dependemos fortemente do estado da procura global nas economias avançadas.

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