quinta-feira, 31 de outubro de 2019

DOS POLÍTICOS

(Andrés Rábago García, “El Roto”, http://elpais.com)

Costumo começar o mês com um recado mais ou menos a propósito, seja em termos pessoais, profissionais, sociais ou políticos. Amanhã não será diferente, mas impôs-se-me hoje a ideia de terminar um mês como foi este, nos seus multivariados desafios e acontecimentos, com um apontamento que assaltou a minha pobre cabeça em praticamente todos os trinta e um dias que nos precederam. Ele aí fica, com o inestimável contributo do inigualável El Roto...

DEMOCRACIA E CRESCIMENTO ECONÓMICO



(Enquanto espero que a volta do correio me traga a nova obra de Daron Acemoglu e James Robinson, The Narrow Corridor: States, Societies, and the Fate of Liberty, há tempo para refletir sobre o que significa analisar o crescimento económico não como um resultado isolado, mas em estreita articulação com o modelo de democracia que com ele coexiste. Outros economistas como Dani Rodrik já o tinham anteriormente sublinhado.)

Vai-se instalando por aí uma perigosa deriva de louvores ao crescimento económico sem tomar atenção aos custos que ele exige para se concretizar. Entre esses custos está seguramente o do grau de degradação das instituições democráticas provocado por considerar o crescimento económico um fim em si. Em post recente (link aqui), tive a oportunidade de exemplificar essa deriva hipócrita e contraditória de louvar hoje o crescimento económico sem ter em conta o cenário da necessidade de adaptação e mitigação das alterações climáticas, como se houvesse escolhas a fazer nesse domínio e como se tais escolhas fossem absolutamente neutrais em termos dos louvores ao crescimento económico sem discutir o seu conteúdo.

A nova reflexão dos autores de Why Nations Fail? traz ao debate esse tema no tempo mais certo possível. Mas a ideia não é nova, embora a formalização de Acemoglu e Robinson o possa ser. Dani Rodrik quando enunciou o seu paradoxo da globalização e demonstrou que a globalização tal como estava a evoluir (a situação de hoje não é substancialmente diferente a não ser que o populismo económico veio trazer o seu recuo não pelas vias mais aconselháveis) não conseguia em simultâneo aprofundar a integração económica, respeitar o estado-nação e garantir a liberdade da barganha social estava a contribuir decisivamente para o tema. O que Rodrik nos queria dizer com a ideia do trilema da globalização era que a referida impossibilidade poderia quebrar por uma de três situações: parar a integração económica, varrer o estado-nação ou suspender garantias democráticas de respeito pela livre barganha social que pressupõe a liberdade dos sindicatos. Os populismos económicos capitaneados por Trump encarregaram-se de mostrar que a queda ou recuo da integração era uma possibilidade real. A suspensão das garantias democráticas da livre barganha social está por esse mundo disseminada e é frequente não lhe concedermos a devida atenção, o que constitui a mais perigosa deriva de degradação das instituições democráticas, ou seja, condescender com a sua privação.

Há dias, entrei (pasme-se) pela primeira vez num daqueles grandes entrepostos de produtos chineses para comprar coisas que só lá é possível encontrar, um tipo de lâmpada que não entra nos cânones do que nos habituamos a ver no mercado, berlindes de vidro nos quais recentemente o meu neto Francisco anda vidrado para as suas brincadeiras de escola e outras coisas do tipo. Não pude deixar de pensar que toda aquela oferta ali reunida só terá vindo à luz do dia no quadro de um modelo económico em que a organização do trabalho não é propriamente um modelo de doçura ou de brandos costumes. A China, sobretudo, mas também outros países asiáticos que seguem um modelo similar, ainda que não necessariamente conduzido sob o lema um partido único – um governo, colocam questões bem complexas à relação entre crescimento económico e modelo de democracia.

Olhamos embevecidos como papalvos para os ritmos de crescimento económico chinês como se tais números representassem tão só um milagre de crescimento económico. Mas deveríamos ter um outro olhar. A China contrariou todos os manuais de bom comportamento que emanavam do chamado Consenso de Washington, ou seja, a trapaça mundial para disseminar o modelo de economia de mercado com o menor grau de regulação possível. O fascínio primeiro pelo crescimento a dois dígitos e depois para crescimento a um dígito elevado impediu muita gente de questionar em que contexto de garantias democráticas e de modelo de democracia aquele crescimento era atingido. A corrida à deslocalização da produção para usufruir não só dos baixos salários e da mão-de-obra com oferta regular e fluidamente alimentada por abundantes excedentes de mão-de-obra rural, mas sobretudo dos contextos de organização da produção e dos contextos de trabalho, ilustra bem que a equação crescimento – democracia é bem mais relevante do que pensamos.

Desde muito cedo, sucederam-se os discursos relativamente otimistas quanto à influência endógena dos constrangimentos sociais e políticos do modelo chinês. A corrupção instalada e particularmente a emergência de classes médias com uma procura mais exigente de garantias democráticas tenderiam segundo essas perspetivas a implodir o próprio modelo de “um partido único – um governo”. Tais fundos de otimismo têm vindo a cair fortemente em bolsa à medida que o modelo chinês vai gerindo com mão de ferro essas contradições. Mas mais do que isso, como o mostra Rodrik em artigo muito recente (link aqui), a evolução do modelo económico e político americano está a tornar a questão ainda mais complexa. Onde vai o tempo da glorificação do modelo americano em termos de instituições inclusivas e de ascensão social? O que temos hoje nos EUA, apesar da valia de algumas das suas instituições democráticas, é um crescimento económico em regime de plutocracia o mais despudorada possível.

Estou com curiosidade em ver como é que Acemoglu e Robinson tratam esta questão, na volta do correio.

O GOVERNO QUE ARRANCA


O “Expresso” do fim de semana passado trazia um esquema (aqui reproduzido em duas versões) descritivo do previsível funcionamento do novo Governo em torno dos quatro grandes eixos do seu programa (alterações climáticas, demografia, transição digital e desigualdades). Será prematuro comentar daqui, e antes do tempo concreto das ações e realizações, os contornos que marcam a lógica de funcionamento visada. Veremos, perante o andamento dos acontecimentos, se a sua implementação acontecerá efetivamente e se dela resultará alguma diferença em relação a outras opções e algum benefício significativo. Sendo certo – e é tudo o que sabemos hoje – que as cooperações, as coordenações e as transversalidades não têm um grande currículo no tocante às governações nacionais historicamente conhecidas. Coisa diversa – essa sim desde já discutível – são os eixos do programa (que já eram os do programa eleitoral do PS), designadamente na medida em que, tocando tópicos essenciais da atualidade nacional e surgindo positivamente definidos como pretendendo “libertar função pública da visão financista das Finanças” , poderão ainda assim corresponder a alguma lateralização objetiva do foco nos maiores constrangimentos com que efetivamente o País se depara, a saber: crescimento e produtividade, serviços públicos e investimento público, justiça e organização territorial). Aqui ficam os ditos esquemas a aguardar melhor ocasião para uma sua análise justa e assente em dados factuais.

MAIS DRAGHI


Ao arrumar os grandes dossiês do mês que finda, tornou-se-me incontornável que aqui deixasse mais um registo para memória futura do notável desempenho de Mario Draghi ao comando do BCE até há dias atrás, no caso um registo contundente e reafirmador do papel histórico do economista italiano em termos das suas implicações diretas para a dívida de Portugal. Sendo que, à saída (ou melhor, à entrada de Christine Lagarde), Draghi não se coibiu de reiterar as suas convicções, insistindo como sua “última vontade” na importância de um orçamento europeu para consolidar/reforçar a Zona Euro ou, numa perspetiva mais drástica, para garantir condições de sobrevivência à moeda única europeia.

UMA CORRIDA DE DOIS CAVALOS


Um gráfico notável da “The Economist” para nos ajudar a trazer à tona o que vai marcando a economia mundial em que vivemos e as suas tendências pesadas. Afinal, um dado que todos talvez consideremos óbvio mas que, quando encarado preto no branco, nos consciencializa mais elucidativamente sobre muito do que de essencial nos envolve: refiro-me a praticamente três décadas em que a correria do crescimento económico mundial é largamente dominada por “dois cavalos” que aliás, e após uma inequívoca e duradoura supremacia chinesa, cada vez mais rivalizam quanto ao tipo e dimensão da liderança que irá emergir para corporizar uma nova configuração em gestação para a economia mundial do segundo quartel do século XXI.

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

CONFRONTADOS COM ESTES DIAS...

(Bernardo Erlich, http://www.clarin.com)

(Matt Pritchett, http://www.telegraph.co.uk)

Uma Europa paralisada, desorientada e dividida...

(Jean Plantu, http://lemonde.fr)

(Emilio Giannelli, http://www.corriere.it)


(Nicolas Vadot, http://www.levif.be)

...num mundo enlouquecido, embrutecido e perigoso!

(Ilias Makris, http://www.kathimerini.gr)

(Nicolas Vadot, http://www.levif.be)

(Laerte Coutinho, http://folha.uol.com.br)

terça-feira, 29 de outubro de 2019

E RODA A SORTE ELEITORAL DE NOVO EM ESPANHA



(A última sondagem publicada em Espanha pelo CIS, Centro de Sondagens de estatuto público e que os mentideros políticos consideram demasiado próximo do PSOE, data de antes da publicação da sentença sobre os processos de sedição dos líderes catalães e de todas as perturbações que varreram a Catalunha na sequência dessa decisão judicial. Não é fácil ao PSOE retirar uma interpretação sólida dos resultados de tal sondagem, não só pelo enviesamento que as sondagens do CIS poderão veicular, mas também porque as maiorias parlamentares que se abrem à investidura de Sánchez são de sinal contrário, ou com o Unidos Podemos ou com o CIUDADANOS. Arriscaria dizer que o diabo escolha.)

Quem segue de perto a imprensa espanhola mais relevante e alguns debates da TVE 24 horas diria com alguma convicção que a jogada tática de protelar até à impossibilidade a farsa ou drama da falhada investidura de Pedro Sánchez seria prejudicial ao líder do PSOE. Sánchez deixou que se instalasse a ideia de que o seu esforço de negociação não era sério nem empenhado, antes sinuoso e contraditório e daí a que se imaginasse o cenário de que Sánchez queria capitalizar o incómodo de novas eleições. Para além disso, a radicalização do problema catalão com a sentença judicial do Supremo e a clara perceção de que era demasiado cedo para ensaiar a via dos indultos e colocar a zeros a negociação política (como se tal fosse possível no atual estado das coisas) tenderiam a jogar sempre em desfavor do PSOE. Por um lado, não estavam criadas as condições para o governo de Madrid ensaiar de novo o artigo 155º da Constituição e assim agradar à direita mais espanholista. Por outro lado, a expressão de uma via mais dialogante no coração da refrega e da agitação das ruas soaria sempre a uma prova de fraqueza. Por isso, o legado negativo das negociações frustadas para a investidura e a radicalização catalã apontariam para uma queda da posição eleitoral do PSOE face às últimas eleições, contrariando assim o calculismo político de Sánchez.

A sondagem do CIS só permite contrariar uma das dimensões deste lastro negativo. Ela data de antes da sentença judicial e por isso não integra os efeitos pesados da radicalização catalã. Ora o que a sondagem mostra é que o lastro da investidura falhada parece não ter penalizado o PSOE. Ela atribui cerca de 32% dos votos ao PSOE contra cerca de 29% nas últimas eleições e abre um intervalo muito largo de 133 a 150 deputados no Congresso, quando nas últimas eleições o PSOE conquistou 123 lugares. Vá lá saber-se se o reivindicado enviesamento do CIS a favor do PSOE tem aqui justificação ou se o eleitorado espanhol considera que apesar do taticismo de Sánchez não há por agora melhor alternativa para conduzir os destinos de Espanha, até porque o PP continua em recuperação mas parece não estar ainda preparado para a tarefa de ser alternativa.

Para além da radicalização na Catalunha ser um fator de grande indeterminação eleitoral, apalpando o pulso à Espanha se quer a força ou a via da concertação política por mais complexa que ela se apresente, os resultados colocam o PSOE perante dois cenários de negociação para lograr a investidura e, espera-se, a governação: ou com o Unidos Podemos (que correu francamente mal no passado recente) ou com o CIUDADANOS que obrigará à utilização de muitos apagadores em afirmações passadas de incompatibilidades (apesar da força da pressão mediática e empresarial para a negociação ocorrer). Mal me quer, bem me quer bem pode Sánchez pode começar a soletrar.

Mas a sondagem tem outras novidades: o MÁS País parece constituir um exemplo de ejaculação política precoce e o VOX fica bastante abaixo da última votação (os Espanhóis parecem ter reconsiderado e a recuperação do PP parece querer dizer isso mesmo.

A campanha eleitoral está prestes a começar e a roleta vai ser de novo acionada.