(Não escondo que preferia um acordo à esquerda para a
nova legislatura, mas também admito que o equilíbrio entre o Bloco e o PCP
desfez-se como péssimo resultado deste último. Encaro, por isso, com alguma normalidade o exercício
de um governo minoritário do PS e só a dinâmica concreta da navegação num contexto
também concreto permitirá ajuizar da bondade da solução. Mas algumas expectativas
podem ser desde já clarificadas, para memória futura.)
Entre as
linhas de continuidade reveladas pelo Governo que acaba de tomar posse há pelo menos
uma que me causa alguma alergia. Tudo indicava que o Ministério da Ciência e do
Ensino Superior iria mudar até porque havia informações de que o próprio Ministro
desejava voltar ao recanto protetor da academia. A dupla Manuel Heitor – Jorge Sobrinho
Teixeira perdeu fôlego há muito tempo e deixou de projetar um rumo para a ciência
portuguesa e para o novo impulso que o ensino superior necessita em Portugal. Ainda
ultimamente, por informações que me chegam via o meu filho Hugo Figueiredo
(Universidade de Aveiro), a cultura de mérito nas universidades sofreu um duro
rombo. Pelos vistos, abriu-se a possibilidade de subidas na carreira académica por
critérios de tempo de espera numa dada categoria, independentemente do que
essas almas fizeram de concreto e de academicamente relevante nesses mesmos dez
anos. Assim se “estimula” quem porfia no trabalho académico sem menosprezar a
qualidade de ensino e de contacto com os alunos, o que mais uma vez prova a espantosa
capacidade endógena da instituição universitária se autoproteger, de resistir
aos critérios de mérito, ou seja em mais uma gloriosa manifestação do
corporativismo profissional que só serve os menos competentes. Como a universidade
portuguesa precisa de uma cultura de mérito, seja na via científica em sentido
estrito, seja na via da transferência de conhecimento para o meio empresarial e
contributo para o desempenho inovação da sociedade e da economia portuguesa.
O facto da
política científica ter descoberto nos Fundos Estruturais uma fórmula de
financiamento, simulando em muitos casos que se estão a aproximar das
necessidades das empresas, mas sempre desconfiando da capacidade destas últimas
para absorver esse conhecimento, tem contribuído para a não libertação de recursos
do orçamento nacional para financiar a política de investigação científica. Tenho
dúvidas de que a dimensão do país permita grandes veleidades de banda larga no
financiamento da ciência em Portugal. Mas admito que os portugueses possam querer
ter até alguns domínios de ciência básica, mas isso tem de ser escrutinado democraticamente
e perceber que tal opção implica escolhas num contexto de manta curta. A história
recente dos Laboratórios Colaborativos constituídos em concurso aberto sem que
estivessem definidos previamente recursos orçamentais para os financiar no primeiro
período da sua implementação é uma ilustração cabal da fantochada a que se
chegou em termos de escolhas de financiamento para a ciência. Tanto mais
fantochada quanto o Ministro Manuel Heitor “mendigou” junto dos Programas Operacionais
Regionais o financiamento para esses COLABS. E assim se gere a ciência em Portugal
sem que os modelos de cultura de mérito permitam ao menos um interface mais
fluido com as políticas de inovação.
Dificilmente
a dupla Manuel Heitor-Jorge Sobrinho Teixeira mostrará energia renovada para
assegurar o impulso necessário a estas escolhas. E nem sequer a possibilidade dos
Institutos Politécnicos mais estruturados e com melhor estrutura de qualificações
concederem doutoramentos ainda avançou sem haver razões para tal a não ser a inércia
da instituição universitária.
Entre as novidades
tenho expectativas quanto ao papel da Alexandra Leitão em termos de Modernização
do Estado e da Administração Pública. O melhor cartão-de-visita da nova Ministra
foi o remoque de Catarina Martins comentando a ascensão da antiga secretária de
Estado na Educação e responsável pela negociação com os sindicatos. Se para
Catarina Martins é uma preocupação para mim é um sossego. Gosto de ver gente
preparada e rigorosa a defender os interesses do Estado e não um banana qualquer
com medo das investidas de líderes sindicais como Mário Nogueira a ceder nas
questões mais essenciais. Mas a designação do Ministério é ela própria exigente.
Tenho para mim que a reforma de 1 milhão de dólares é mesmo a do Estado e
espero que de uma vez por todas se compreenda o estado da arte em matéria de descentralização.
Jorge Botelho é o secretário de Estado da Descentralização e da Administração
Local, depois da sua experiência como Presidente da Câmara de Tavira e da AMAL,
em cuja última qualidade tive oportunidade de interagir em termos de trabalho
profissional. Com grande dinamismo, Jorge Botelho é o que eu costumo chamar um “maneirinho”
da política, sabe manobrar e estou com alguma curiosidade como vai ser o seu
estilo de governação. O Algarve ganha de repente três secretários de Estado,
Jorge Botelho, Jamila Madeira na Saúde e José Apolinário no Mar (pescas). Não
se isto contribuirá para um maior peso político da região que o tem vindo a
perder a uma velocidade estonteante.
Finalmente,
para não alongar muito o post de hoje
e já como expressei as minhas expectativas quanto ao novo Ministério da Coesão
Territorial em post anterior, termino
com algumas referências à continuidade do Ministério da Economia. Creio que é
uma patetice das grandes admitir que vamos assistir a um reforço do poder do Ministério
apenas na sequência da subida de Pedro Siza Vieira e amigo de António Costa. O
Ministério da Economia é daqueles cuja “accountability”
me intriga seriamente, ou a sua ação se desenvolve em domínios que não chegam
ao escrutínio público (o que intriga ainda mais) ou então a sua ação em termos
de custo-benefício deixa muito a desejar. Uma coisa, entretanto, precisa de ser
corrigida, o entendimento do Ministério quanto à importância de uma linha firme
e clara de articulação com o Ministério da Ciência (principalmente a FCT) em
matérias de inovação, designadamente do segundo ciclo de políticas de inovação
estruturadas em torno das estratégias (nacional e regionais) de especialização
inteligente (as agora S3, Smart Specialisation
Strategies) e do modo como o financiamento da Agência Nacional de Inovação
(ANI) necessita de ser clarificado. Receio que o estardalhaço mediático do slogan da economia 4.0 e da transformação
digital ofusque a ação do Ministério.
E, já agora,
o regresso bem preparado à política de clusters
seria uma boa malha. Aliás, persiste o mistério do apagamento desse instrumento
de política, sobretudo com gente muito preparada a passar pelo Ministério nos últimos
tempos.
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