(Na acalmia de Seixas que anuncia a transição para um outono
mais agreste, tempo para algumas reflexões determinadas pelo particular momento
político que vivemos. Citando gente amarga, embora evitando, espero eu, o contágio.)
Confesso que preferia uma solução global para
uma geringonça 2.0 e até posso dizer que votei segundo essa lógica. Também
compreendo que os resultados alcançados com as eleições de 6 de outubro muito
dificilmente abririam caminho a essa alternativa de concertação política. A
perda do PCP – CDU foi demasiado evidente e significativa para não ter consequências.
E, como também é compreensível, a interpretação interna do partido será a de
ignorar a dimensão estrutural dessa perda e deslocar a explicação para os efeitos
da geringonça 1.0. Para além disso, embora os resultados do Bloco de Esquerda justifiquem
uma ampla reflexão interna, a sua perda junto do eleitorado urbano mais jovem, enquanto
que a sua dimensão nacional aumentava, exigirá acompanhamento futuro. De qualquer
modo, a dimensão das diferenças entre a CDU-PCP e o Bloco foi desfavorável a
uma solução global de geringonça 2.0.
Não antecipo qual poderá ser a reação dos
eleitorados do Bloco e do PCP, e do próprio PS (pelo menos do seu eleitorado
mais à esquerda), a este desfazer de ilusões quanto a uma solução global de
esquerda liderada por este último. Sei apenas que a preferia e que a considero
mais coerente e estimulante para um avanço nestes tempos incertos da política
mais progressiva. Não sendo possível, a análise da coerência dos avanços que
for possível alcançar com concertação à linha com um governo minoritário PS sem
acordos vai redobrar de importância. Estimo que iremos ser confrontados com múltiplas
incoerências das negociações pontuais, há que estar preparados para elas e
esperar que elas não ultrapassem o limiar da decência política.
A segunda reflexão é determinada pela análise
que o competente e rigoroso Pedro Magalhães (PM) apresenta dos resultados das
eleições de 6 de outubro no Expresso. É um documento de grande atualidade e
bastante interpelador das forças políticas que obtiveram assento parlamentar. Da
análise de PM saliento alguns elementos: (i) a margem de manobra que o PS
apresenta para uma captação dos interesses de população mais jovem e com formação
superior; (ii) a demonstração da perda massiva de eleitorado que o PSD vai apresentando
a nível urbano e a nível local, comprometendo o que representava,
inequivocamente, uma das forças dos sociais-democratas; (iii) a aparente perda de
eleitorado do PCP – CDU em alguns territórios do Alentejo com sinais de transferência
de voto para o Chega, o que a ser real desperta comparações com o que se passou
em França com transmissões do PC para a Frente Nacional e exigirá futuramente
uma explicação bem mais fundamentada do que as que vão existindo por aí nos
comentadores de serviço.
A terceira reflexão incide sobre os tempos conturbados
que se observam no PSD. Limito-me a incluir duas citações de amargos, Vaco
Pulido Valente e José Pacheco Pereira, invocação que faço sempre com pinças,
luvas de proteção e se for necessário fato anti-infeções. Prometi a mim próprio
que envelheceria sem amargura e por isso citar dois amargos tem de ser feito
com todas as cautelas, isolando a lucidez e não se deixando contaminar pela
amargura.
Comecemos por VPL no seu diário de sábado:
“9 de Outubro
O PSD conseguiu tirar das suas entranhas um ente político chamado
Montenegro que faz de Rui Rio um homem virtuoso. Se esse espectro aparecer à
frente do PSD, o país inteiro vai esconder-se na casa de banho.”
Na mouche, já
perceberam que não morro de amores por personalidades do tipo Montenegro, use ele
ou não o dito avental.
E agora JPP:
“ (…) mas duvido que os clones de Relvas, entre o avental, as manipulações nas
redes sociais e os negócios, conseguissem chegar sequer a um medíocre mais. Na
verdade, o que eles querem é a posse do instrumento, o partido, que lhes
permite a carreira, nada mais. Exatamente aquilo que os fundadores do PPD entendiam
como uma perversão da política.
Querem saber quem “deu cabo do partido”? Eles.
Também na
mouche. Resta saber se esse PPD é reinventável nos tempos que correm e se Rio é
o criador procurado.
Quarta e última reflexão. As fotografias que
o Expresso publica sobre as manifestações da seca a montante do Tejo português
são impressionantes pelo impacto de evidência que provocam. Talvez algumas
consciências mais sejam iluminadas. Mas a reflexão fundamental a fazer é se o mundo
ocidental está disposto a adaptar os seus modelos de consumo, de conforto e de
vida à nova realidade, já não falando no problema da homogeneidade de soluções à
escala mundial.
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