(A minha crítica persistente do aventureirismo do independentismo
catalão não implica, à luz dos bons velhos tempos do marxismo analítico, rejeitar
o reconhecimento das alterações de contexto que o “depois da sentença” acarreta
para o desenvolvimento da relação de forças. A dinâmica de rua que preenche o vazio deixado
pelas instituições em estado de desgoverno absoluto traz-nos ensinamentos que
mesmo um crítico do independentismo não pode ignorar.)
A minha crítica do pensamento independentista
catalão e do que em Portugal o apoia mais ou menos diletantemente prende-se
sobretudo com a representação viciada, passada habilmente para a população menos
politizada e até para uma comunicação internacional, de que o Estado espanhol é
um rolo compressor de opressão dos que pretendem a secessão fora do quadro
constitucional espanhol, ele também votado pelos catalães e não por uma minoria
mas pela sua maioria. É um argumento de gente que se diz reconvertida às
virtualidade e também exigências de um estado de direito, mas que à mínima encruzilhada
aí estão presos a estereótipos do passado e amantes de uma lógica revolucionária
e de subversão que só em Estados verdadeiramente opressores pode ter explicação.
Alguém me teria de explicar porque é que a Espanha e o seu Estado apresentam
indicadores de governação democrática superiores aos portugueses pelos
indicadores internacionais mais divulgados e que no Tribunal Europeu de Haia
tem bem menos condenações do que o Estado português. Comparar, por exemplo, a
situação que se vive na Catalunha ao movimento dos jovens em Hong-Kong , ou
seja, comparando a Espanha e a China do ponto de vista da garantia dos direitos
democráticos, é um insulto à inteligência de todos nós só próprio de diletantes
e ao estado de opressão efetiva em que vivem muitos povos por esse mundo fora. Confundir
centralismo ou espanholismo com opressão democrática, levar-nos-ia a duvidar do
estado da democracia em Portugal, tal a ferocidade centralista em Portugal.
Mas, como referi no longo parágrafo anterior,
as coisas estão a mudar a uma velocidade vertiginosa no que a dinâmica das ruas
nos pode oferecer como perspetiva de observação de novos dados sobre o problema.
Não dissertarei sobre a violência nas ruas e
nem sequer sobre um discurso que vai passando por aí que uma coisa é o
independentismo pacifista, outra coisa o radicalismo dos que destroem o espaço
público não apreciado na arquitetura contemporânea e no urbanismo que via no
projeto urbano o futuro. A distinção é mais “fuzzy” do que as boas almas andam para aí a apregoar. Mas não é
esse o meu ponto, o de hoje pelo menos.
O que me interessa destacar é a grande relevância
do independentismo jovem nas ruas, seja ele mais pacífico, ou veiculador do
radicalismo mais inconsequente e destrutivo. Dir-me-ão alguns que isso mostra a
força do independentismo. É verdade e mostra sobretudo a força futura do independentismo
se a falência das saídas políticas for sendo cavada pelos Torra, Sánchez,
Icetas e outros que tais deste mundo atual da política espanhola. Mas, em meu
entender, a força do jovem independentismo mostra como a autonomia catalã
permitiu no quadro constitucional espanhol que a Generalitat montasse um
poderoso sistema educativo que disseminou a seu belo prazer o independentismo
junto da sua população jovem, diga-se que nem sempre com o rigor histórico mais
aprumado, antes pelo contrário. É este o
Estado opressor que os independentistas e seus assanhados apaniguados em Portugal
querem fazer crer que fundamenta o seu pretenso direito à autodeterminação? Vão-se
catar!
Mas é inequívoco que o advento do
independentismo mais juvenil pode ter sérias consequências em termos da formação
de uma maioria de população favorável à secessão e isso altera profundamente a
defesa internacional que o Estado espanhol pode desenvolver. Recordemos, como
os apaniguados portugueses teimam em não recordar, que não há exemplo de
qualquer votação alargada em que a maioria do independentismo tenha sido, em
modelo de um cidadão um voto, à independência. Mas é um cenário que não pode
ser ignorado, recordando, repito, os bons velhos tempos do marxismo analítico,
pelo qual também passei, que não me fez nenhum tempo e que não renego.
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