segunda-feira, 21 de outubro de 2019

NÃO É CARACAS, É BARCELONA!



(A minha crítica persistente do aventureirismo do independentismo catalão não implica, à luz dos bons velhos tempos do marxismo analítico, rejeitar o reconhecimento das alterações de contexto que o “depois da sentença” acarreta para o desenvolvimento da relação de forças. A dinâmica de rua que preenche o vazio deixado pelas instituições em estado de desgoverno absoluto traz-nos ensinamentos que mesmo um crítico do independentismo não pode ignorar.)

A minha crítica do pensamento independentista catalão e do que em Portugal o apoia mais ou menos diletantemente prende-se sobretudo com a representação viciada, passada habilmente para a população menos politizada e até para uma comunicação internacional, de que o Estado espanhol é um rolo compressor de opressão dos que pretendem a secessão fora do quadro constitucional espanhol, ele também votado pelos catalães e não por uma minoria mas pela sua maioria. É um argumento de gente que se diz reconvertida às virtualidade e também exigências de um estado de direito, mas que à mínima encruzilhada aí estão presos a estereótipos do passado e amantes de uma lógica revolucionária e de subversão que só em Estados verdadeiramente opressores pode ter explicação. Alguém me teria de explicar porque é que a Espanha e o seu Estado apresentam indicadores de governação democrática superiores aos portugueses pelos indicadores internacionais mais divulgados e que no Tribunal Europeu de Haia tem bem menos condenações do que o Estado português. Comparar, por exemplo, a situação que se vive na Catalunha ao movimento dos jovens em Hong-Kong , ou seja, comparando a Espanha e a China do ponto de vista da garantia dos direitos democráticos, é um insulto à inteligência de todos nós só próprio de diletantes e ao estado de opressão efetiva em que vivem muitos povos por esse mundo fora. Confundir centralismo ou espanholismo com opressão democrática, levar-nos-ia a duvidar do estado da democracia em Portugal, tal a ferocidade centralista em Portugal.

Mas, como referi no longo parágrafo anterior, as coisas estão a mudar a uma velocidade vertiginosa no que a dinâmica das ruas nos pode oferecer como perspetiva de observação de novos dados sobre o problema.

Não dissertarei sobre a violência nas ruas e nem sequer sobre um discurso que vai passando por aí que uma coisa é o independentismo pacifista, outra coisa o radicalismo dos que destroem o espaço público não apreciado na arquitetura contemporânea e no urbanismo que via no projeto urbano o futuro. A distinção é mais “fuzzy” do que as boas almas andam para aí a apregoar. Mas não é esse o meu ponto, o de hoje pelo menos.

O que me interessa destacar é a grande relevância do independentismo jovem nas ruas, seja ele mais pacífico, ou veiculador do radicalismo mais inconsequente e destrutivo. Dir-me-ão alguns que isso mostra a força do independentismo. É verdade e mostra sobretudo a força futura do independentismo se a falência das saídas políticas for sendo cavada pelos Torra, Sánchez, Icetas e outros que tais deste mundo atual da política espanhola. Mas, em meu entender, a força do jovem independentismo mostra como a autonomia catalã permitiu no quadro constitucional espanhol que a Generalitat montasse um poderoso sistema educativo que disseminou a seu belo prazer o independentismo junto da sua população jovem, diga-se que nem sempre com o rigor histórico mais aprumado, antes pelo contrário.  É este o Estado opressor que os independentistas e seus assanhados apaniguados em Portugal querem fazer crer que fundamenta o seu pretenso direito à autodeterminação? Vão-se catar!

Mas é inequívoco que o advento do independentismo mais juvenil pode ter sérias consequências em termos da formação de uma maioria de população favorável à secessão e isso altera profundamente a defesa internacional que o Estado espanhol pode desenvolver. Recordemos, como os apaniguados portugueses teimam em não recordar, que não há exemplo de qualquer votação alargada em que a maioria do independentismo tenha sido, em modelo de um cidadão um voto, à independência. Mas é um cenário que não pode ser ignorado, recordando, repito, os bons velhos tempos do marxismo analítico, pelo qual também passei, que não me fez nenhum tempo e que não renego.

Nota final: dois bons artigos na Voz de Galicia devem ser lidos sobre o assunto, o de Claudia Luna Palencia (link aqui) e o de Fernando Onega (link aqui).

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