domingo, 20 de outubro de 2019

A COESÃO TERRITORIAL NA GOVERNAÇÃO

(Índice Sintético de Desenvolvimento Regional, INE)


(Como seria imaginável, a criação na arquitetura do novo governo do PS de um ministério da ou para a coesão territorial despertou curiosidade. Pena é que a imprensa portuguesa estivesse mais interessada em dissertar sobre a transumância política de Ana Abrunhosa dos domínios do PSD da Meda para o governo do PS, passando pela CCDR Centro e pela espinhosa tarefa de acompanhar o pós-incêndios florestais do que em discutir o que poderemos esperar de tal ministério. O Expresso deste fim de semana avança com elementos que podem justificar alguma discussão neste blogue.)

O tema da coesão territorial interessa-me do ponto de vista conceptual e na perspetiva da sua operacionalização em políticas públicas, sejam elas cofinanciadas pelos FEEI (Fundos Europeus Estruturais e de Investimento) ou por outras modalidades de financiamento (residuais, é bom dizê-lo, pelo menos por agora).

Do ponto de vista conceptual, já aqui mencionei neste blogue o esforçado trabalho de Eduardo Medeiros (IGOT – Universidade de Lisboa) na análise da extrema dificuldade com que o conceito tem sido trabalhado a nível europeu a partir do momento em que ele penetrou a barreira dos tratados. É de facto um conceito de difícil operacionalização, sobretudo em tempos em que os objetivos da competitividade irromperam com toda a força que os agentes de mercado lhe pretendem atribuir. Não é certamente o ministério de Ana Abrunhosa que irá resolver a questão, ele será sempre tributário da discussão sobre o tema que a nível comunitário irá ter o seu tempo no dealbar de um novo período de programação.

Para o post de hoje, em fim de um domingo pressionado por trabalhos em falta, é sobretudo a questão da operacionalização da coesão territorial em instrumentos de política, modelos de governação e sobretudo um quadro de expectativas credível e coerente para transmitir aos residentes nos territórios para os quais o conceito tem de ser algo mais do que isso, algo que se traduza em melhores condições de vida, em melhores perspetivas de ficar e não sair e sobretudo em sentimento de pertença a um país e não em sentimentos de marginalização e irrelevância política e cidadã.

Há que reconhecer que, de acordo com a experiência passada, a operacionalização das questões da coesão territorial e da sua próxima e conhecida baixa densidade tem-se traduzido em pura frustração. Como diria o Engº Jorge Coelho dos seus tempos da governação, criar unidades de missão, instituições ou meros grupos de trabalho transversais sem orçamento definido e dependentes da cooperação voluntária entre ministérios e serviços por eles tutelados é pura ingenuidade, desconhecimento de causa ou patranha para entreter e adiar problemas. Outros exemplos dessas plataformas e unidades de missão viveram essa tragédia ou esse susto. Estou a lembrar-me dos primeiros tempos do já perdido na memória do tempo Plano Tecnológico em que Maria João Rodrigues dava os seus primeiros passos em matéria de meter a mão na massa, que não controlava. Questão que não se alterou substancialmente com a chegada de Carlos Zorrinho, com maior peso político, a esse mesmo Plano Tecnológico.

Trata-se de uma consequência inevitável do modo como a nossa administração pública está organizada, fórmula adaptada da expressão popular de “quem chora não mama”, neste caso de quem não tem orçamento não existe na hierarquia e nos conflitos da decisão política.

Em coerência com este panorama, todos conhecemos a mais profunda frustração com o que foi possível realizar na Unidade de Missão de Valorização do Interior, sem qualquer menosprezo, antes pelo contrário, para com as personalidades que a dirigiram como a Professora Helena Freitas ou o ex-presidente da Câmara de Proença-a-Nova João Paulo Catarino. De facto, é difícil descortinar algo de relevante decorrente daquela abordagem e se investigarmos a frustração lá iremos encontrar a questão orçamental como a grande ilusão deste tipo de rasgos que até ascendem ao estatuto de Resolução do Conselho de Ministros.

A criação de um ministério para a coesão territorial equivale a uma subida da parada e neste jogo não se admite bluf. Sabemos que a frustração e a deceção são tanto mais elevadas quanto mais as expectativas são elevadas a um outro patamar. Este é o caso e não é de admitir que tenha havido o propósito de sacrificar a Professora Ana Abrunhosa a uma espécie de inferno na inação.

Pela notícia do Expresso percebe-se (isto de perceber estas coisas a 300 quilómetros do centro de poder tem que se lhe diga e faz parte das nossas próprias frustrações) que o ministério da Coesão Territorial dividirá responsabilidades com o do Planeamento, liderado pelo tradicionalmente pouco amigo destas coisas da territorialização de políticas, o experiente e Senhor Incentivos às Empresas Nelson de Souza. Ao que o Expresso sugere, Nelson de Souza dirigirá negociações e em termos escorreitos abrirá as portas dos Fundos Estruturais influenciando as malas de recursos que entrarão no país e Ana Abrunhosa dirigirá, não se sabe em que proporção, a aplicação de Fundos, sobretudo aqueles com maior incidência potencial na coesão territorial. Presume-se assim que o ministério da Coesão Territorial centralize as relações com as CCDR e outras entidades intermédias com intervenção na aplicação dos FEEI, podendo assim dizer-se que, por essa via, talvez se ultrapasse o síndrome orçamental. Estou curioso em saber se Ana Abrunhosa tutelará ou não a Agência para o Desenvolvimento e Coesão, cuja dinâmica nesta matéria deixa a meu ver a desejar.

A nova Ministra não é seguramente alguém a quem falte experiência, o que por isso faz elevar ainda mais as expectativas (orçamento mais experiência é algo que não pode ser ignorado), mas sei bem que o tombo das expectativas é bem maior nestes casos. Já agora, não pretendendo avolumar o caderno de encargos que vai infernizar a vida da anterior Presidente da CCDR Centro, que bem conheço das lides mais profissionais e da qual tenho boas referências, será talvez ao novo Ministério que caberá clarificar de uma vez por todas o modelo de governação multinível de aplicação dos FEEI nos territórios da coesão.

Mas isso é conversa para outros posts.

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